Tenho-me sentido bastante deslocada do mundo, nestas ultimas semanas. Não da terra, mas do mundo, daquele que se partilha ou do qual se tenta fazer parte quando estamos em sociedade...
A viver rodeada pelo silencio e pela floresta, onde se ouve ao fundo o barulho constante do mar e do vento a pentear as arvores seria dificil participar nas cerimónias habituais associadas ao natal.
Já tinha decidido passar pelo natal de forma diferente e foi o que fiz... participei num jantar comunitário, onde fui voluntária, no dia 24 e acabei a noite a distribuir o que sobrou pelos sem-abrigo de Lisboa. Semi-hibernei no dia 25 e, finalmente, fiz as reuniões de familia, com a familia que restou, no dia 26. E tomei uma decisão.... o meu filho, para o ano, participa neste roteiro. É, talvez, uma forma de lhe mostrar que não é preciso viver esses dias no consumismo desenfreado e na aparencia. Ao reler frases anteriores por aqui, percebo que acabei por fazer exactamente o que resolvi o ano passado... ignorei a unidade estrutural e alarguei o conceito de familia.
Na semana anterior tive de ir a um centro comercial da cidade e lembro-me de me sentir invadida... Alguma vez se sentiram assim? Invadidos? Demasiada luz, demasiado gasto, demasiado desperdicio, demasiada gente, demasiado.... andei a escapulir-me pelos corredores menos frequentados e a sentir que tinha de sair dali e voltar ao silencio o mais depressa possível. Que aquele não era o meu mundo e já não conseguia fazer parte daquilo...
Nessa noite uma amiga de coração mostrou-me o filme que partilhei no post anterior e estivemos bastante tempo a falar sobre as nossas tentativas de regresso às origens, sobre essa vontade de mudar e sobre o contributo que podemos dar. Sobre a responsabilidade que cada um tem.
O Miguel passou este natal com o pai e no dia 25 à noite sai de casa, sozinha. Apetecia-me sentir o ar frio e o silencio da noite enquanto passeva por ruas desertas. Dei algumas voltas e acabei por me lembrar de um filme de que já tinha visto o trailler e o qual me tinha despertado imensa cusiosidade. Sou completamente fã de livros de ficção cientifica e é um dos estilos de cinema de que também mais gosto.
Decidi aproveitar a noite de folga e ir vê-lo, um pouco ansiosa pela prespectiva de ter de entrar num centro comercial outra vez. Quando cheguei deparei-me com um parque de estacionamento vazio, um centro comercial vazio e silencioso e uma sala quase vazia. Com direito a oculos e a um lugar com uma excelente visibilidade, sentei-me e, obedientemente, pus os oculos quando mandaram.
O que surgiu no grande ecrã foi algo que se me contassem só me teria feito ter mais vontade de ir ver o filme.
Costumo dizer que são os livros que nos escolhem, quando estamos prontos...
Tenho olhos na cara para perceber a ironia de um filme destes vir de onde vem, para perceber o desperdicio de meios e dinheiro para o fazer e o quanto isso é uma contradição com a mensagem que passa. Para me enervar alguns dos cliches e frases feitas tipicas de filmes americanos, para uma série de outras coisas que são absolutamente obvias e irritantes, por serem manipuladoras. Mas preferi ver a estória do filme de outro angulo. Do que me faz sentido neste momento. Do unico angulo que posso ter... o de mera espectadora. E essa visão fez-me correr as lagrimas desde que me afastei do cinema até me deitar...
Não vi o filme a avaliar a qualidade dos efeitos especiais, que são extraordinarios ou da beleza das imagens gráficas, nem a avaliar a estória em si, que é boa, dentro do genero. Essas só consegui avaliar depois.
Mas vi a reconhecer a ligação que era estabelecida com os seres vivos pelo povo indigena. A ligação real e fisica que estabeleciam e a reconhecer o que o autor quis mostrar.
É assim tão dificil estabeler essa ligação com o que nos rodeia? É assim tão dificil ao ponto de ser considerado ficção cientifica? As pessoas que vão ver o filme reconhecem que são capazes de o fazer, de o sentir? Ou fecham-se, como eu fiz no centro comercial, para não me sentir agredida e violada energeticamente?
O que o povo daquela estória representa é algo que encontrei com um grupo de pessoas muito especial e com algumas pessoas isoladamente. É uma ligação que ultrapassa barreiras fisicas ou mentais e é incontornável porque só pode ser dessa forma. E só quem sente assim consegue fazer parte, estar.
As lagrimas que me correram foi por perceber (e nesta altura do ano é sempre mais visivel e fácil de perceber) que deviamos ser mais. Que as mudanças fisicas acontecem quando atingimos um determinado estado de conexão com o que nos rodeia e que aquele é um dos caminhos possiveis da evolução humana. As lágrimas correram de emoção pela identificação, pela tarde e noite anterior de partilha, pela sensação de que deveria ser mais assim, não apenas em sessões de meditação ou noutras partilhas, mas que deveria ser assim. Que se fosse dado a todas as pessoas a possibilidade de sentirem o que os outros sentem como se fosse na sua propria pele, de adivinharem o que os outros estão a sentir e por vezes a pensar, de sentir e perceber as consequencias dos seus actos seria mais facil viver em sociedade. Que, se mais gente tivesse a coragem de fazer o que sabem, me seria mais fácil viver aqui.