segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Humildades

‎"Se me pedires, ou mesmo que não o faças, por-me-ei de joelhos, colocarei as minhas mãos sobre teus pés e baixarei a minha cabeça perante ti, entregar-me-ei a este acto com toda a humildade que possuo e pedirei que recebas este acto com a mesma entrega e a mesma humildade, para que dele nasça a partilha entre o meu dar e o teu receber, para que desta partilha se gere o amor incondicional, a humildade do dar e do receber num só acto."


Versão original aqui

Na humildade do dar,
Recebido com humildade.
Mesmo que simbólico,
Isto é o que dou...
Lado a lado na humildade,
É o que peço.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ana, a Valente Graciosa

Dela recordo tanto.
O seu brio e força, a ferocidade com que defendia a família, a curiosidade e brilho, a inocência e a teimosia nos seus valores.
Ana Valente era o seu nome e dela herdei o primeiro nome.
Ana, a Graciosa, a cheia de graça. A mulher que recordo deve ter sido graciosa nos gestos perdidos da infância e adolescência. A que recordo tinha o corpo e a face bem marcada pelo trabalho árduo do campo, as rugas profundas debaixo das abas do chapéu ou do lenço, revelando os olhos azuis brilhantes, atentos, observadores. As mãos calejadas da enxada enquanto tentava recordar os tempos em que pediu ao pai para ser costureira e este a enviou para os campos, porque era assim que se fazia antigamente. Recordo com saudade os serões em que me lia as cópias que fazia e me mostrava os trabalhos de casa, da escola básica para adultos e em que era a aluna mais velha. Recordo, a propósito disso, da naturalidade com que dizia que não queria pedir a ninguém para lhe ler as cartas do correio, depois do meu avô falecer e, apesar dos 73 anos, ia aprender a ler. Recordo como, com a mesma atitude independente e determinada aproveitou para vender o tractor e comprar um burro. A carroça ainda existia de outros tempos e só foi necessário reparara-la. Não gostava de ser enganada, tinha uma enorme dificuldade em confiar em estranho e em todos os assuntos de família, esta mulher de coragem tinha uma palavra valida a dizer.
Ana, a Valente há-de ter sido graciosa com o seu corpo bem moldado pelo trabalho. Recordo o olhar de reconhecimento que me fez no hospital pouco antes da sua passagem, com a bata do hospital a esconder muito pouco do seu corpo seco e duro, enquanto me pedia para lhe tirar as amarras que lhe prendiam os braços. Tinha mais que fazer, queria ir para os campos, para casa, queria sair dali, daquele ambiente frio e despersonalizado. Recordo o ar de espanto quando percebeu que não conseguia andar. Recordo os jantares de família, em Lisboa, em que percorria todas as divisões da casa e se ia mostrando cada vez mais impaciente por estar fechada e confinada a quatro paredes. E a alegria que sentia quando a levavam de volta a casa, ao seu espaço aberto ao campo e ao mundo vivo e verde. Lembro-me dela quando procuro a janela mais próxima e quase me penduro para fora, à procura de verde e espaço aberto, quando estou em casas de cidade.
Ana, a Graciosa, recordava o quanto o tinha sido, quando era considerada esquisita na aldeia por ser das poucas loiras de olhos azuis e como se tinha casado com o Xico, também ele descendente dos invasores franceses, com os olhos azuis e cabelo loiro, no topo do seu metro e quase noventa. Recordo-me dela sempre que sou confrontada com a dureza dos meus tios e pai, com a incapacidade de demonstrar carinho e como eles contrastam com o meu tio mais novo, o que veio fora do tempo e onde ela, Ana, a Graciosa o pode finalmente ser. Graciosa e carinhosa.
Recordo-me das tardes partilhadas a arranjar azeitonas, enquanto me contava estórias do antigamente e, a meu pedido, largava as azeitonas e ia, deliciada, buscar o adufe para me cantar e tocar as musicas do antigamente. Recordo ao longe estes momentos e tantos outros e mantenho a recordação do seu olhar penetrante e curioso suspenso a minha frente.
Ana Valente de seu nome, de coração, de mãos, de corpo.
Recordo uma das imagens mais bonitas da minha memória, em que fui mostrar uma das terras ao pai do meu filho, entre penedos, vales, ribeiros e capelas e a vejo ao longe, vestida de preto, como manda a tradição e os costumes mas principalmente para não ser falada pela aldeia, curvada pelos anos da enxada e da rega a balde, a conduzir o burro e a carroça a transbordar de lenha para o fogão e lareira. Preparava-se para o Inverno, dizia-me ela, enquanto me recordo de olhar para o momento, contemplar a imagem parada no tempo e encher-me de calor, de apreço, de admiração, de orgulho, enquanto dizia de voz embargada pela emoção e beleza daquele quadro: Olha, é a minha Avó!
A fotografia é a dela.. no tempo em que o tempo lhe permitia não se lembrar que era valente e em que podia ser simples e graciosamente... Ana.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Profundidades

Talvez porque tudo o que é Belo

Também é triste.

Talvez porque quando se reconhece

E aceita essa tristeza,

Quando se mergulha nela,

Se esteja a mergulhar

Nas profundezas da nossa Alma.

Talvez porque nesse abismo,

Quando nos encontramos nele,

Encontramos também a Alegria

Mais profunda, a Alegria de estar Viva.

Talvez assim se cante.

Talvez assim se dance.

Talvez assim se Celebre a Vida

10:10:10

Já foi, já passou.
Puff, num instante.
Uns falam de portal, outros de viagens, outros ainda de mudanças.
E a mim quem me falou?
- Quantas línguas falam?
- Falo três: inglês, francês e português!
Mas entender, entender, só entendo a outra, aquela com que penso, com que falo, com que abraço, com que choro, com que sorrio. A que se expressa em gestos, em toques, em atitudes. É a que leio nos que me rodeiam. E o que lê?
Lê o que lê...
Lê as questões não resolvidas e as perguntas não respondidas.
Lê isso e um pouco mais.
Lê coisas que não interessam a ninguém.
Fala de coisas que não são traduzidas por palavras, seja lá em que língua for...
É o que dá estar a aprender a perder-me no mundo, perdida do mundo.