sábado, 27 de junho de 2009

Linhagem

A corda estica, estica e ainda não quebrou...
Sinto pequenos filamentos a quebrar, mas a estrutura mantém-se intacta...
Esta foi uma semana repleta de emoções, de acontecimentos, de reviravoltas, de surpresas e sintonias.
Há um olhar que não esqueço. Um olhar dos olhos verdes mais profundos que conheço, após um abraço, após um longo dia. Após decisões. Um olhar de reconhecimento, de espanto, de aceitação, um olhar que não esperava. Um olhar do mais puro amor, de um agradecimento profundo, um que conheço há 4 anos. Mas este foi-me dirigido... à criança que fui, à mulher que me tornei.
Como se fosse possivel tomar qualquer outra decisão. Como se eu não compreendesse a dor de uma tremenda perda, de um desajuste, de um acumular de dor e frustração. Como se tivesse outra para além dela... como se fosse possivel, após aquele dia ter qualquer outra atitude.
Podendo ter todos os defeitos, podendo ter nela muitos dos traços que me enervam em mim. Tem muito mais que isso. Tem a humildade, a simplicidade, a generosidade, a capacidade de congregar pessoas à sua volta, o sentido de humor mais retorcido, o riso mais extraordinário que conheço. Tem o abraço mais doce e as mãos mais macias.
Refila quando tem fome, protesta quando não tem tranquilidade e, muitas vezes, tem os comentários mais despropositados. Reclama com quem sabe que lhe perdoa tudo, quantas vezes sem motivo.
Aprendi a sorrir a tudo isto e a apreciar todos os outros gestos.
Aprendi com ela a seguir os meus sonhos, a ceder a impulsos loucos, a viver um dia de cada vez.
Aprendi através dela o valor dos pequenos gestos e o valor de grandes gestos. Aprendi a reconhecer a grande mulher por detrás da figura pequena.
Conheço-a desde sempre e não pára de me surprender.
Descobri que dança melhor que anda, que escolheu o seu estilo de vida e não está disposta a abdicar dele, que é feliz exactamente onde está e não se imagina de outra forma.
Descobri que abdica de si mesma pelos que ama...
É a minha referencia humana, a minha referencia em valores...
Esta semana fui eu que tomei as decisões, que confortei, que assegurei conforto, tranquilidade e segurança. Apesar de todas as estranhas decisões, apesar dos afastamentos, de não ter lá estado num momento em que precisei, não poderia ter feito outra coisa.
Porque apesar de tudo, foi o que ela me ensinou...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Acontecimentos

No fim deste dia, é agradável perceber que uma estrutura flexivel, maleável e elastica resiste às tempestades mais violentas e imprevisiveis.
Porque, no fim do dia, a única coisa que conta é quem nos rodeia e não o que nos rodeia.
No fim do dia a imagem mudou e adaptou-se.
A tempestade dura uns segundos nesse instante e deixa de ser uma tempestade para ser apenas uma diferente forma de estar.
E, no fim do dia, o que realmente conta é quem somos.
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Um ciclo a terminar,
Outro a iniciar!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

...

Não é o fim do mundo.
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Mas abana a estrutura!

Há tempo

Vou precisar de mais uns dias para escrever sobre os abraços dados e recebidos.
Entretanto escrevo sobre os tempos, divago pelos segundos, pelas idades e maturidades.
Porque existe um tempo para escrever, um tempo para chorar, um tempo para purgar, um tempo para brindar, um tempo para correr e um tempo para parar.
Com o tempo de cada um... ao tempo de cada um.
Existe tempo para amar, tempo para sorrir, tempo para andar, tempo para sentir.
Nas voltas do tempo temos tempo para abraçar, tempo para unir, tempo para beijar, tempo para olhar.
É tempo de aprender, é tempo de viver, tempo de voar.
Hoje subi encostas, desci ladeiras, percorri vales, palmilhei distancias.
Apesar do tempo, não me canso destas voltas. Hoje foram estas, ontem outras e amanhã ainda outras.
Às voltas no tempo nas voltas do tempo...
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Em cada instantaneo de tempo, em cada imagem de tempo cria-se uma nova imagem, integrada nas anteriores, enquanto não chega a seguinte.
Como um monte de fotografias que se fundem umas nas outras criando apenas uma, apenas um tempo, um instante, um momento. Um grande monte de pequenas fotografias cheias de cor e pormenores. O tempo certo, o melhor momento só acontece quando a imagem precisa surge. Quando o tempo passou a imagem apenas mudou.
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Há tempo... é este momento.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Feridas antigas

Quando se tem uma ferida com o tempo acaba por cicatrizar. Devagarinho, com tempo, atenção e cuidado vão-se formando camadas de tecido que cobrem a ferida até, eventualmente, pele nova surgir à superficie.
Durante algum tempo a pele está tão sensivel que de cada vez que olhamos, tocamos ou nos tocam naquela pele nova, nos encolhemos e relembramos a dor e a ferida aberta.
Os anos passam e a pele nova deixa de ser assim tão nova. Vai ficando mais espessa, a cor rosa vai suavizando até ficar apenas uma marca. Uma simples marca.
A ferida antiga cicatrizou e deixou uma cicatriz que nos relembra, de tempos a tempos, que tivemos ali uma parte do nosso interior exposto. Que sangrámos e doeu, que tivemos medo. Relembramo-nos que já passou.
Se essa ferida antiga tiver sido muito grande, muito extensa ou muito profunda, ou então se nos ferimos muitas vezes, acabamos por evitar, a todo o custo, qualquer situação onde aquela dor ou outra semelhante se possa repetir. Temos medo de nos voltar a magoar, ficamos cautelosos, deixamos de correr riscos, pesamos e analizamos cada impulso com as probabilidades de voltar a acontecer algo de minimamente semelhante. Sobrevivemos uma vez, não queremos arriscar de novo...
E sobrevivemos...
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Esta podia ser uma metáfora para qualquer situação das nossas vidas. E até é! Cada um de nós já passou por isto. A nível fisico ou emocional. São as situações onde as marcas são mais profundas.
Quando finalmente percebemos que quando sobrevivemos não vivemos, passamos todo o tempo disponivel a enfrentar estas cicatrizes antigas. Aprendemos a aceitá-las e a considerá-las belas e cheias de história. São a nossa história. São o que nos levou aqui. Como cada uma das rugas que vão surgindo ou cada um dos belos cabelos brancos.
Quando não voltamos o nosso olhar para esse passado e o aceitamos, lhe sorrimos e perdoamos arriscamos a, quando menos esperamos, ter uma reacção de pânico. De fugir, desaparecer da situação que nos relembra a dor e a ferida antiga.
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Hoje aconteceu-me uma situação curiosa. Lembro-me de ler relatos de pessoas que tinham sido submetidas a tortura, a dor fisica profunda que lhes deixou marcas profundas, não só na pele, mas no mais fundo do seu inconsciente. E que, anos depois, tinham ataques de panico quando colocados em situações que lhes despertassem essa memória. Tinham reacções fisicas tão violentas que chegavam a ter sintomas de enfartes do miocárdio. As descrições na primeira pessoa destes casos são impressionantes.
Com cercade 14 anos fiz uma desvitalização de um dente sem anestesia. Foi, depois do parto, a situação que me recordo de dor fisica mais intensa que não podia controlar. Hoje em dia, se me tentassem fazer o mesmo, a situação correria muito mal para o dentista. Com 14 anos nem questionei se era normal a dor ser tão intensa.
E hoje tive que pedir ao dentista 5 minutos para me acalmar, tive que me levantar da cadeira, agachar-me, controlar a respiração, focar-me para deixar de tremer e limpar as lágrimas sob o ar de espanto do dentista, só porque me disse que ia ter que mexer no mesmo dente...
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As feridas antigas surgem quando menos se esperam. Não estava à espera desta. De cada vez que vou ao dentista conto o episódio e exijo não sentir dor. Dose máxima de anestesia ou levanto-me, vou-me embora e não pago.
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Tal e qual como vou fazendo noutras coisas pela vida... Não tolero que me inflijam dor sem o meu consentimento. Quando a situação se torna dolorosa e não consigo controlar a dor, afasto-me. Afasto-me sem sentir que devo nada.
A velocidade com que me afasto das situações só depende da dor que sinto.
A dor que sinto depende unicamente da minha sensibilidade à mesma.
E a minha sensibilidade depende das lições que aprendo...
Aprendo depressa... mas fiquei com uma pergunta...
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Estou a aprender ou a deixar de arriscar?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Vida redonda

Deus abre portas e fecha janelas.
Eu escancaro janelas e bato com as portas.
A terra vai girando, enquanto em cada ciclo se sucede a morte à vida e a vida à morte.
Alguém incrível, um destes dias disse, com ar de espanto "És tão timida!"
Acho que reservada é mais bonito, foi a minha resposta, enquanto me escapulia dali para fora...
Miuda a vida inteira... a vida inteira e redonda... como o sol e como a lua.
Sempre que escancaro uma janela há um porta que bate algures.
Sempre que bato uma porta há uma janela que se escancara algures.
Onde começa e onde é que acaba?
Perguntem à outra, não me perguntem a mim!
E já agora... quando é que vou dormir?

terça-feira, 16 de junho de 2009

Se eu pudesse trincar a terra toda

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma cousa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se,
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha, pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
Fernando Pessoa

sábado, 13 de junho de 2009

Amadurecer Desenquadrada

Curiosamente o que desencadeou a crise existencial nº 754, foi ter falado com uma rapariga que não via há.... há quanto tempo mesmo??? Teria 19 anos? Ou seja... 15 anos.
Falamos por mensagens de facebook (estas tecnologias modernas são extraordinárias) e combinamos um jantar com as meninas do costume de há todos estes anos. Por meninas do costume leia-se a equipa feminina da faculdade do meu irmão, que participava no challengers trophy universidades e andava a recrutar membros fora da faculdade, para ser mais competitiva.
Eu, a Raquel, a Filipa, a Paula e mais duas meninas que não me lembro dos nomes. Das seis, apenas duas eram da faculdade que a equipa representava. E eram as duas que tinham a cargo toda a parte estratégica da prova. Nós as quatro eramos os cavalos da equipa. A Raquel na canoagem era imbativel, as duas outras meninas na corrida e eu era darem-me uma bicicleta e os trilhos mais dificeis e ficava feliz. Todas loucas, cheias de coragem e vontade. Eramos uma equipa de tal forma bem estruturada e unida que, apesar do pouco tempo para treinar, disputavamos o primeiro lugar com a equipa militar feminina.
Moral da estória... os economistas não brincam em competição.... brincam em muitas outras coisas, mas não em competição.
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Ter falado com uma delas, ter sabido novidades e ido procurar a velha caixa com fotografias antigas foi uma surpresa. Encontrei não só as nossas, como as de pessoas muito proximas e com quem ainda convivo.
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O choque aconteceu quando percebi que não mudei muito.... mas a expressão e o que reconheço nela mudou totalmente...
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Houve pessoas para quem os anos passaram de forma mais dura e isso transparece bem no que são hoje. Ficaram visivelmente marcados pelos anos. Não fiquei muito marcada. Mas os olhos...
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O que torna tudo isto mais estranho é a lembrança por detrás dos olhos. Quando lembro, não me vejo. As diferenças internas são obvias mas parecem-me naturais, suaves. Não devo olhar para aquelas fotos há cerca de 3 anos e não me lembro de ter tido um choque tão grande, por me aperceber que aquela podia ser outra pessoa.
Que não reconheço em mim a tristeza, a revolta daquela rapariga de 19 anos. Mais estranho é identificar o mesmo nas fotografias até aos 27 anos. Uma miuda muito bonita. Engraçado, como na altura sentia-me tão mal na minha pele que nunca conseguia ver isso. Muito bonita e com os olhos mais tristes e distantes que se possa imaginar.
Não me lembro do que me ria. Não me lembro do que me fazia rir.... era quase como se passasse 90% do tempo triste e tão imersa no meu mundo que nem sabia como estar com as outras pessoas. Viciada em livros, li tudo e mais alguma coisa nesses anos de adolescencia e juventude. Gastava mais dinheiro em livros que em roupa ou qualquer outra coisa. Consegui finalmente deixa-los na ultima mudança de vida. Mas antes disso, de cada vez que mudava de casa (o que não foi assim tão poucas vezes) a primeira coisa a ser encaixotada e transportada eram os livros. Eram o meu mundo. O único onde vivia.
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Visto daqui, a esta distancia, não sei o que diria a essa rapariga de olhos tristes. Nada a teria ajudado. Nada teria sido mais fácil, as escolhas teriam sido as mesmas. As certezas e medos os mesmos. Não sei que lhe diria. Diria alguma coisa. Teria que dizer. Aquela rapariga sofria tanto por dentro que transparecia nos olhos...
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Perceber que os anos passaram e que mudei. Que já sou adulta. É nesta altura que me apetece dizer: Alguém se enganou! Anda meio mundo enganado, porque não me sinto adulta! Mais consciente, às vezes mais atenta, mais feliz, mas a loucura que movia aquela rapariga é exactamente a mesma. Os tambores são os mesmos...
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Afinal não são só os economistas que andam a brincar... O que é levado a sério hoje em dia continua a ser a competitividade. Seja pelo que for, nem que seja por feijões. Os feijões só vão mudando.
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O que sinto hoje é apenas mais um desenquadramento. É a noção do envelhecimento. É o perceber, mais uma vez, que daqui a 10 ou 15 anos, os tambores vão ser os mesmos... que o mundo fora de mim vai ser o mesmo.
Que nada teria tornado este caminho mais suave, que gostaria de ver outra expressão no que fui. Mas que não estaria aqui se assim fosse.
Que mudamos, sim. Que é possivel mudar como estamos com os outros e conosco mesmos. Que é possivel amadurecer com alegria e sabedoria. Mas o fio condutor que me guia é o mesmo. E esse continua a fazer-me sentir desenquadrada.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Vertigem

Não é assim tão dificil...
Mas hoje está a ser.
Vou fingir que ninguém vem a este espaço.... vou fingir que não abri uma janela do meu mundo ao resto do mundo. Não tenho a certeza de querer ver isto publicado. Esta parte de mim que hoje está confusa e desfocada. Que tem estado assim há já alguns dias, apesar da praia, dos pés na areia e do sol.
Qual era mesmo a parte de mim que queria esconder? Aquela que está outra vez a lutar com o espelho ou a que sabe que não está num beco sem saida, mas se sente às escuras? Aquela que diz e sabe que Não e depois de deixa levar por qualquer coisa? Qual era mesmo a parte que queria esconder?
A que sabe que precisa de silencio, de estar longe de tudo e todos para poder estar consigo mesma, mas não consegue tirar um dia para estar sozinha?
A que sente vertigens pelo momento? A que não sabe o que vai acontecer e está com medo?
Está uma noite daquelas em que ficaria na rua até de manhã... daquelas em que acabava por sair de casa às 3h da manhã para ir apreciar a noite e acabaria inevitavelmente na praia a tomar o primeiro banho de mar...
Ligaram duas vezes a desafiar-me para ir até à praia hoje à noite... não ajudou...
Quem seria aquela rapariga zangada com o mundo e consigo, que vi hoje em fotografias antigas?
Hoje há gente a mais, houve gente a mais... sinto falta dos passeios sem destino por Lisboa, da solitude. De parar numa esplanada e ficar a ver as pessoas passar.
Sinto falta do mergulhar profundo e emergir renovada.
Sinto falta de começar de novo...
E, estranhamente, sinto-me sozinha...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Free Hugs - Abraços de Graça

No dia 19 de Junho vai acontecer um Free Hugs - Abraços Grátis, em Lisboa!

À semelhança do que já aconteceu noutros países e noutras cidades emPortugal (incluindo Lisboa), queremos relembrar quem passa os sorrisos e bem estar que um abraço expontaneo provoca. Em plena hora de ponta, na cidade, esquecemos com facilidade que vivemos demasiado próximos para fingir uma distancia. Distancia em que nos afastamos cada vez mais uns dos outros e de nós mesmos. Basta um gesto de aproximação, uns braços abertos e um sorriso para o gelo e a distancia se quebrar.

O ponto de encontro vai ser no Largo do Camões, às 19h. O percurso vai ser: Largo do Camões, Chiado, descemos até ao Rossio e voltamos a subir ao Largo do Camões. Quem quiser participar basta aparecer, de preferencia com uma folha a anunciar a sua intenção de abraçar de graça quem quiser ;)

Aparece e Abraça!

sábado, 6 de junho de 2009

Chocolate - Brownie

A minha inquilina quis adoptar um cão e combinamos ir, esta manhã, ao jardim em frente aos Pastéis de Belém onde a "SOS Animal" faz as suas campanhas de adopção. Quando chegamos só lá estavam os gatos. Estivemos a ve-los e acabamos por decidir ir tomar o pequeno almoço enquanto esperavamos pela senhora que trazia os cães. Lá fomos nós calmamente comer um pastel de nata quentinho, como manda a tradição nestes passeios, acompanhado de um café para despertar.
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Estavamos tranquilamente a comer os pastéis num banco de jardim, perto do local onde estavam os animais quando chegam duas carrinhas do Canil Municipal de Lisboa. Estacionam e começam a tirar os cães lá de dentro. Sujos, alguns bem magros e completamente estéricos pela mudança de rotina ao canil. Oito cães quase impossiveis de controlar. Trazem um por um com as trelas e vão prendendo-os às arvores e bancos de jardim, no local. Fiquei imediatamente em estado de choque. Vejo uma bonita boxer sem a cauda cortada, muito magra. Como é que se abandona um animal destes? Como é que se abandona qualquer animal? Há sempre alternativas! Existem associações de recolha, quintas que aceitam sempre mais um cão... Basta procurar, basta a pessoa que levou o cão cachorro para casa dar-se ao trabalho de lhe arranjar um lar condigno. Não precisa de ter um sofá, não precisa de estar dentro de uma casa. Mas definitivamente não precisa de ser recolhido para um canil onde, se houver lotação completa, abatem os mais antigos para poderem recolher os mais recentes...
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Este conceito é algo que me incomoda e arrepia. Parece-me sempre demasiado próximo da realidade de se fazer o mesmo às pessoas. Não é um mal necessário... é pura maldade! Como se também aí não houvesse outra solução. Como se a unica coisa que falta é vontade de tratar condignamente qualquer ser vivo! Uma visita a um canil é como ir a um campo de concentração. Só quem não tem a coragem de olhar nos olhos do cão ou gato ali preso, longa e profundamente, não percebe a profunda tristeza do animal. A compreensão de que não queria ali estar e o amor e agradecimento que sente por quem de lá o tira.
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Estava meia perdida nestes pensamentos enquanto olhava para os cães que saiam do canil, quando alguém grita "Chocolate!!"
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Olho e vejo uma bonita e vivaça cadela cor de chocolate. Pura rafeira, bem alimentada e com o pelo brilhante apesar de sujo. Que nome delicioso!
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Depois de todos os cães presos e acomodados dirigi-me a cada um deles. Sentei-me, fiz-lhes festas, apreciei as diferentes personalidades. Observei os diferentes estados de saude e a vivacidade de cada um. Não queria trazer nenhum deles. Mas no fundo de mim mesma sabia que o que estava a fazer ou era tortura a mim mesma ou inconscientemente ia trazer um cão. Seria incapaz de não ir ter com cada um deles e dar-lhe um pouco de atenção e carinho. Mas não parei aí. Insisti em ficar com cada um deles o tempo suficiente para sentir a ressonancia e sintonia que teriam comigo e eu com eles. Olhei nos olhos e falei com cada um deles.
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Quando foi a vez da "Chocolate" fiquei estarrecida. Com uma cor linda, castanha escura, olhos cor de mel, doces e meigos. Quando me viu dirigir-me a ela fez-me uma festa, rentinha ao chão, orelhas para trás, contentissima e oferece-me a barriga para festas enquanto me olhava com olhos doces. Já não me consegui afastar. Um dos rapazes da SOS Animal, quando me vê junto à cadela, aproxima-se e começa a falar da Chocolate. Pergunto-lhe à quanto tempo está no canil e diz-me simplesmente há 3 meses.
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Três meses fechada numa jaula conjunta... em condições que nunca tive a coragem de observar com os meus olhos. Que me deixaria de rastos e a trazer um cão que supostamente não poderia ter...
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Sei que a minha atitude é partilhada pela maioria dos lisboetas, pela maioria dos portugueses. É mais fácil falar com alguém que teve uma ninhada e ficar com um . É mais cómodo(?) comprar um animal de raça para mostar que se tem dinheiro, status ou qualquer outra coisa que não compreendo. Mas depois de hoje... depois de hoje não sei o que acontece. Mas houve qualquer coisa que mudou. Nunca mais vou ser capaz de pensar em ter um cão sem passar pelo canil.
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Continuo junto a ela a arranjar mentalmente pretextos para não a trazer. É curioso como tentamos contrariar mentalmente as escolhas do nosso coração. A forma como arranjamos argumentos para justificar não seguir o que o nosso coração já sabe.
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Só para me atormentar, passa uma criança com cerca de 6 anos e penso "É agora! Se não gostar de crianças não a vou poder levar!". A criança aproxima-se e para meu espanto a Chocolate fica feliz com o recém chegado e cuidadosamente aproxima-se do rapazinho e pede-lhe festas na barriga. Brinca com a criança tranquila e cuidadosamente. Fico espantada pela doçura e cuidado. Quando a criança se afasta resolvo fazer uma patifaria "Á lá Miguel" e puxo-lhe o rabo com alguma força. Não o suficiente para magoar, mas o suficiente para a poder irritar.
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A Chocolate nem reage. Fica impavida e serena a olhar para mim, como uma mãe carinhosa e compreensiva e volta a mostrar-me a barriga para festas. Fico a olhar para ela enquanto uma parte de mim se ri e me mostra que se estão a acabar os argumentos. Alguém tráz uma taça com ração e faço uma ultima tentativa. Não quero um animal em casa que seja agressivo só porque lhe estão a mexer na comida. Arrisco uma dentada e enfio a mão na comida enquanto ela come. Mais uma vez nem reage. Para de comer, olha para mim e afasta-se ligeiramente.
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Levanto-me e sem pensar duas vezes vou ter com um dos responsaveis. Pergunto-lhe o que é necessário para a adopção e ele imediatamente se disponibiliza. Acaba por me dizer que ainda não tinha percebido como é que ela ainda não tinha sido adoptada pois era uma das cadelas mais meigas e extraordinárias que por lá tinha passado. Um dos senhores da associação acaba por me dizer que se ninguém a levasse hoje, ele não ía ser capaz de a enviar para o canil e ficaria com ela...
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Se me tivessem dito antes (o que é obvio que não fariam) teria tido o argumento perfeito para não a levar. Mas naquele momento o que pensava e o que sentia estava em sintonia com o que fazia.
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Voltamos com os papéis para ao pé da Chocolate e enquanto preenchemos os papéis ela acaba por se enrolar nas nossas pernas ao que digo: "Brownie! Tem juizo e dá a volta!". Ela pára, olha para mim, enquanto me espanto com a tirada e ela dá tranquilamente a volta e solta as nossas pernas da trela.
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Acabamos as questões burocraticas, agarro na trela e afasto-me da confusão. De cada vez que a chamo ou lhe falo sai-me sempre Brownie. E ela responde sempre...
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Quando chego a casa aguardo o teste de fogo... tenho duas gatas habituadas a serem donas e senhoras da casa. Quer dizer... mais ou menos, que a energia do Miguel acaba sempre por as confinar à varanda a que ele não pode aceder.
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E o teste de fogo passa-se quando a Brownie vê a Margarida (uma gata linda e meiga, toda branca, de 14 anos que me acompanha practicamente desde que sai de casa dos meus pais) e tem a mesma reacção que teve com a criança. A reacção da Margarida é que me deixa espantada. Aproxima-se, cheira à barriga à Brownie e o nariz e acaba o reconhecimento com uma violenta marradinha a pedir-lhe festas. Ao que se afasta calmamente...
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Neste momento está, de banho tomado e bem escovada, confortavelmente deitada com o cão bebé que a minha inquilina trouxe enrolado na barriga e completamente adoptado por ela.
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De cada vez que me levanto, ela levanta-se e segue-me. Se paro deita-se ao pé de mim. Perfeitamente adaptada à casa e a mim. Em perfeita sintonia.
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A foto é dela. É uma das que está no site da SOS Animal. É um antes...
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E esta é uma estória com um final feliz...
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quarta-feira, 3 de junho de 2009

Perdida e encontrada num abraço

Os braços abrem-se, os corações juntam-se, peito com peito, face com face. Os olhos fecham-se e, inevitavelmente, deixamo-nos ir. Na entrega e partilha do calor do outro, quando as auras se confundem e nos sentimos elevar.
E inevitavelmente sorrimos.
As almas conversam nesse instante, entendem-se e conspiram a nosso favor.
Amar num abraço...
O mundo podia cair que não teria importancia. No momento de um abraço, da entrega total aos braços, aos nossos e do outro, o tempo desaparece e estamos apenas ali.
Quando as almas conversaram tudo, quando conspiraram tudo o que tinham para conspirar para nos aproximar, quando as feridas foram saradas e os desentendimentos esquecidos, começamos a alargar o espaço.
Devagarinho, deixamos de apertar, existe um sentimento de gratidão pela partilha e pelas diferenças esquecidas. Esperamos um pouco para perceber se o outro está pronto para o afastamento...
Os corpos afastam-se, os braços baixam, os olhos brilham.
Quando nos permitimos, isto é o que Somos...

Quando as almas conversam

Quando o corpo abraça, as almas conversam.

Tudo a aprender

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sonho

Como é que era mesmo aquele sonho? Não me lembro se sonhei se me disseram... mas já ouvi isto antes... não me lembro onde.
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Aproximo-me de uma mesa que está na rua e cumprimento alguém. A mesa está cheia, mas a minha atenção é atraida para apenas uma pessoa. Aproximo-me e juntamos as fontes... sinto surpresa pelo despertar conjunto...
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Passo por salas numa casa e em cada uma delas há pessoas que conheço a fazer coisas diferentes. Coisas que me têm dito muito sobre cada uma delas... que se têm revelado como formas de estar.
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Não me lembro se sonhei...
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Saio à rua e percebo que estou no lugar errado, que devia estar mais proxima do mar... e desta vez tenho a certeza que não estou a sonhar.
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Ouço os tambores ao longe, a aproximar...