terça-feira, 21 de setembro de 2010

Make a Wish

- Deus lhe pague, minha filha!
Não faço a mais pequena ideia do que mudou em mim para ter feito as pazes com o trabalho onde me sinto mais inteira. Não faço a mais pequena ideia do que realmente mudou. Se foi a minha perspectiva das pessoas, se foi o ter aprendido a envolver-me enquanto me mantenho observadora, se foi ter aprendido a viver o momento onde estou, a estar presente ali, no meio da confusão e bagunça daquele sitio, onde quase toda a gente oferece aos outros aquilo que está na vida.
A intensidade do que se vive durante o tempo que ali estou é imensa. A atenção que dispenso aos outros é tantas vezes total.
Fico cansada de dizer que estou cansada fisicamente, acordo a pensar que gostava de me levantar e começar a mexer sem conseguir identificar cada um dos meus músculos, gostava de chegar a casa e conseguir ter energia para as coisas mais simples, preciso de pedir para me tratarem uma vez por semana, resmungo quando me fazem marcações sem ter vagas disponíveis... mas a frase mais simples com que sou presenteada, os gestos mais simples de agradecimento, um simples "Já não tenho tantas dores" ou "Já consigo fazer" qualquer coisa, perceber que alguém esperou uma hora por mim e no fim dizer-me que valia a pena a espera e que já percebia porque é que demorava tanto tempo com cada pessoa, eclipsam o estar num trabalho precário, as horas a mais de trabalho, os horários desumanos, as marcações em excesso e as dores no corpo.
Dou-me ao luxo de tirar os ténis e andar descalça pelo espaço, de desaparecer durante cinco minutos quando me chegam 3 pessoas ao mesmo tempo para serem tratadas, de pensar alto em frente a toda a gente, de me rir por nada, de fazer cocegas a todos os pés que espreitam das marquesas, mesmo não conhecendo os donos dos ditos, de fazer shiatsu e outros trabalhos energéticos descaradamente, de explicar pormenorizadamente o porque de estar a fazer o que estou, de por as pessoas a meditar no fim dos exercícios ou de os orientar em visualizações positivas, de escolher um gabinete discreto para fazer uma sesta de 10 minutos ao almoço, tudo isto sob o olhar de espanto dos meus colegas de profissão.
Nas minhas costas passa-se um pouco de tudo, desde as crónicas de escárnio e mal dizer até à admiração dos resultados do meu trabalho com as pessoas. Não sigo as regras, adapto tudo e mais alguma coisa que possa, faço piadas mas não conversas de café, não cumpro horários de saída (e esforço-me por cumprir os de entrada), trato de forma igual a chefe, o colega, o utente e o bombeiro que o transporta, dependendo apenas do quanto Ser Humano está.
Ofereço o meu amor, o meu corpo e esforço, a minha atenção, os meus saberes, as minhas mãos, o meu sorriso e abraço, os meus mimos e cuidados mais simples, o meu brio, a minha energia e alma enquanto me delicio com o esquecer-me de mim em troca de um "Deus lhe pague".
- Já me paga!
É o que respondo com um sorriso.

domingo, 19 de setembro de 2010

Instante Vivo

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem

Sophia de Mello Breyner

Caminhos Desconhecidos

Perdida pelo monte de onde se vê a lua, existe uma gruta de labirintos, por onde espreitam luminosidades e dragões.
No labirinto fazem-se paragens e descansos, momentos de observação da escuridão das aguas paradas e dos medos, seus companheiros.
Uma pedra convida-nos: "Sente-se, por favor e veja". As árvores e o verde, o céu e o azul ficam distorcidos e ao contrario quando reflectidos. É preciso levantar mais os olhos para ver através dos olhos da gruta e perceber a ilusão.
Perdida pela gruta fica um túnel, não um qualquer à escolha, mas o mais escuro e sinistro. Entra na profundidade da terra e da agua, o ventre escuro sem fim à vista.
Ali habitam os dragões, os de verdade, não os das lendas. Ali vivem os dragões que nos consomem por dentro, nos dilaceram a alma e nos deixam reduzidos a um nada de nós. Enleiam-se dentro de nós e esperam enquanto nos dizem baixinho: " Estou com medo".
Numa curva desse caminho acontece um momento de decisão. Em frente o desconhecido, para trás os reflexos e nada mais. Respira-se fundo e os passos decidem por nós quando se diz: "Para trás? Mas eu já conheço esse caminho!"
Mais uma curva, apenas uma e um raio de luz alimenta a esperança: "É por aqui!"
A escuridão durou só mais um segundo, o tempo de uma esquina dobrada, de uma decisão tomada e a recompensa vem logo a seguir quando a passagem alarga e se abre numa clareira de espaço, de vida, de luz.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Vens ou ficas?

Existe uma voz no vento de Sul que me canta baixinho ao ouvido...
Umas vezes canta mais alto (ou serei eu que ouço melhor), outras mais baixo.
Dentro do vento existe uma voz e dentro da voz um verso, que me relembra um acordo que fiz noutra vida qualquer.

O verso conta estórias de pessoas juntas a quererem aprender a viver juntas. Conta estórias de vales floridos na primavera, de fontes de agua limpa e fresca, de arvores e duendes.
Conta-me estórias de partilha e de noites à volta do fogão a lenha, de pão quente acabado de cozer e de tempo para contemplar. Conta-me como o meu filho cresce a subir às arvores, sem medo de sair à rua e a confiar nas pessoas.
Conta-me que tenho de passar por ali para regressar aqui.
Conta-me essas e outras estórias e vai-me mostrando o caminho.

Por medo, fiz-lhe ouvidos moucos durante algum tempo... ou então não era o tempo.
Esse tempo vai chegando ou eu não sabia e já estava aqui.

O aqui e o ali misturam-se no vento e no tempo e as aventuras acontecem já aqui.
Vou... e fico.
E se ficar é porque vou e se for é porque fico.
E tu, vens ou ficas?