domingo, 31 de maio de 2009

Ar.riscar

O que é arriscar? O que é correr um risco?
Completamente imersa em pensamentos, olho para a senhora da portagem da ponte quando ela me estende o braço de mão aberta. Fico a olhar para ela e estendo a minha mão vazia... ao que me desato a rir, quando constato que, mais uma vez, estava tão perdida no meu mundo que nem me lembrei que era preciso pagar a passagem pela ponte. Venho o resto do caminho a rir de mim mesma e mais atenta ao que me rodeia.
Mas afinal o que é isso de correr um risco? O que é isso, arriscar?
Apesar do medo, arrisquei. Medo do risco. Mas medo do que??
Medo de mudar de vida, da mudança, medo de um não, medo de mais um não?
Arriscar significa apenas enfrentar um medo. É por isso que as crianças não arriscam. Elas apenas fazem o que têm de fazer. Para elas não existe o conceito risco. Só quando criamos medos é que criamos o conceito risco. E isto é uma coisa curiosa... Nós, adultos com a mania das responsabilidades e seguranças, não arriscamos por puro medo, não gostamos de admitir os nossos medos, não gostamos de os confrontar e ultrapassar.
A nossa mente é um bichinho poderoso e tão mal utilizado. Desperdiçamos oportunidades, choramos o passado e pedimos segundas oportunidades mas, na practica, continuamos a fazer exactamente o mesmo. Muito raramente percebemos que não encaramos a vida e o que lhe é inerente e belo por puro medo. Nem sequer arriscamos ser nós mesmo.
Medo da morte, medo de um não, medo do ridiculo, medo que não gostem de nós, medo de ficar sozinho, medo de não conseguir. Fruto de um unico pensamento... "Não me acho suficientemente merecedor"
Dou todas as voltas possiveis e acabo sempre nesta....
O arriscar implica enfrentar um medo.
Se esse não existir o que fazemos não é um risco, mas sim o que fazemos, o que temos que fazer, o que gostamos de fazer, o que queremos fazer.
Quando não arriscamos, quando não respiramos fundo e saltamos, na realidade, é apenas porque não nos achamos merecedores o suficiente de ter a "recompensa" do salto. E não percebemos que o que interessa não é a "recompensa" do risco...
A verdadeira recompensa é a transformação do Não limitador do medo, num Sim a nós mesmos. Num Sim, tentámos, arriscámos, Sim, merecemos, Sim, somos capazes, Sim, vivemos, experimentámos e aprendemos.
Talvez por ter convivido tanto com pessoas mais velhas, acabei por perceber que a maior amargura, a maior tristeza de quem está no fim da vida, a maior razão de se dizer "Se soubesse o que sei hoje..." é saberem, no fundo do seu ser, que não arriscaram tudo o que podiam ter arriscado. Não quiseram enfrentar os seus medos e não amaram o suficiente, não beijaram o suficiente, não disseram o suficiente, não riram o suficiente, não mudaram o suficiente, não erraram o suficiente.
Chegaram ao fim da vida e perceberam que não viveram o suficiente, que o maior erro que cometeram foi não errarem o suficiente.
Com medo de perder qualquer coisa, acabaram por perder a Vida.
Só quando a morte se aproxima percebem que não Viveram.
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Aos loucos, aos que arriscam, aos que caem, aos que riem, aos que beijam, às eternas crianças, aos que fazem bolas de sabão e riscos no ar...
Junto-me a vós, ergo a taça e brindo à Vida!

sábado, 30 de maio de 2009

Estórias para contar

Uma vez li que quem está ocupado a viver não tem estórias para contar... não sei se isso é verdade. Estou sempre a viver estórias e muitas delas merecem ser contadas, ser recordadas como já passadas. Existem aquelas com final em aberto, aquelas já fechadas e encerradas. Capitulos terminados e páginas que se viram. Às vezes deixamos o livro de lado e entretemo-nos com outras coisas. Às vezes precisamos de respirar fundo, de largar e deixar ir a estória por si mesma. Às vezes é o tempo que a termina, o vento sopra e quando voltamos a olhar já estamos num novo capitulo. Já demos mais uma volta, subimos mais uma oitava, mudámos de tom na escala...
Ontem comentava que desde à cerca de um ano que a minha vida é uma montanha russa, plena de acelarações, com travagens suaves e novas sensações a cada instante. Uma montanha russa que não volta ao ponto de partida. Não passa pelos mesmo lugares. Intensa, em que a unica constante é a mudança. E a aceitação da mudança... em que eu própria, de uma forma estranha, sou a carruagem e controlo a direcção e velocidade. Às vezes sem dar por isso. Quando olho à volta já estou onde tenho que estar, de novo em andamento. Já passei outra paragem e não desci.
E hoje, percebo que às vezes não contemplo o tempo suficiente, não me entrego completamente ao momento... Em que já sinto, em que já vivo, mas que ainda não sou plenamente. Não fico o tempo suficiente para o ser.
A carruagem segue, os carris desenham-se à frente dos meus pés e eu sigo.
Talvez, desta vez, mais lentamente...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Perto de Casa

Não estava um por do sol extraordinário. As nuvens não ficaram carmins.
Mas havia no ar o cheiro das acácias e do mar. As ondas estavam calmas e mornas, a vista dislumbrante. O contraste das cores era suave aos olhos, a areia macia...
O que existe nesta mistura de sentidos que tanto me encanta, centra e acalma?
Não existe, do pouco que conheço, lugar algum que me faça sentir tão em casa como aquelas dunas, aquele cheiro e aquela areia...
Regresso cansada à areia, ao cheiro, à brisa e ao mar e, ao fechar os olhos e respirar fundo, solta-se o cansaço e ganho forças. Volto a respirar fundo, encho-me daquelas gotas de ar e volto ao mundo, retemperada.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Anjo ou Diabinho

Há já alguns dias que entro no quarto do meu filhote, respiro fundo perante a desarrumação, faço a cama e volto as costas sem arrumar nada mais que a roupa dele. Todos os brinquedos e livros têm sido cuidadosa e meticulosamente espalhados, por ele, até à porta. Desvio o essencial do caminho e ignoro toda a bagunça. Quem tem um quarto com brinquedos sabe a quase inutilidade de os arrumar... passados 30 minutos está igual ou pior que antes da arrumação. E decidi que não o ia voltar a arrumar até ao fim de semana!
Hoje de manhã fez-me uma surpresa. Depois do pequeno almoço e enquanto nos preparava para sairmos de casa, arranjou o tempo necessário para arrumar nas caixas e estrategicamente encostados às paredes, todos os seus brinquedos. Não lhe tinha pedido nada, nem tinha referido o facto de ter o quarto num pequeno caos. Arrumou tudo por iniciativa própria! Fiz-lhe uma festa, incentivei-o a voltar a fazer o mesmo e fiquei toda contente e orgulhosa!
Levei-o ao colégio e reparei que tinham colado os trabalhos da sala dos 5 anos no corredor. Os trabalhos eram sobre o que cada criança queria fazer quando fosse grande. Não a profissão, mas coisas que gostariam de fazer... e havia as frases e desenhos mais deliciosos! Desde quererem andar às costas de um elefante, num circo; irem ver televisão às escondidas; saltar na cama e no sofá; pintar os olhos - escrito por um menino!. Houve um em particular em que me fartei de rir. Um dos meninos dizia que queria poder colar pastilha elástica no cabelo das pessoas!
A educadora do meu filhote apanhou-me a rir do trabalho e aproveitei para lhe perguntar de quem era.
Ela, em vez de me responder, comenta a rir: "É giro, não é? Este podia ter sido o Miguel a fazer!"
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Caiu-me o queixo, olhei para ela com a maior cara de espanto... Não podia estar a falar do mesmo anjo que tinha arrumado o quarto por iniciativa própria, logo de manhã! Não podia estar a falar do doce que me acorda com beijos e abraços! Trocam-me o filho, todas as manhãs, depois de o levar à escola, porque não podia estar a falar do Miguel!!
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Quer dizer.... o rapaz faz umas engraçadas.... mas são brincadeiras inócuas. Do genero, fazer cócegas a perfeitos desconhecidos na rua, só porque lhe apetece ou engraçou com a pessoa. De me deixar a mão, só porque passou uma menina e poder ir atrás dela - Sim o rapaz começa cedo!
Tem saidas e faz comentários e brincadeiras que me deixam a assobiar e a perguntar-me se consigo fazer de conta que não é meu filho. Mas isso só acontece porque ele tem de descarado o que eu tenho de reservada. Não é porque se porte realmente mal....
Todas as mães devem passar por este momento. Aquele fatidico momento em que são obrigadas a perguntar-se se o anjo que estão a educar não será afinal um pequeno diabinho disfarçado!
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Fiz rewind e pergunto à educadora - Mas explique-me lá isso... o Miguel porta-se mal aqui na escola?? É mal educado? Conflituoso? Faz disparates destes??
A educadora percebe o meu ar de espanto, faz uma pausa e responde cuidadosamente - Não, ele não se porta muito mal.... tem de doce, meigo e obediente o que tem de reguila! Quer dizer.... quando há confusão ou bulha, o Miguel está lá metido, mas não se porta mal...
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Confesso que a resposta não me deixou satisfeita. Mas tenho plena noção que isto é excesso de testosterona. A unica forma de resolver a situação é ensina-lo a direccionar bem toda a energia que tem... É, mais cedo ou mais tarde, enfia-lo nas artes marciais ou em qualquer outra actividade fisica que lhe exija concentração e muito gasto de energia.
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Isso e... um seguro de responsabilidade civil??

terça-feira, 19 de maio de 2009

Vamos dançar?

A ultima vez que fui dançar, houve um momento em que fiquei apenas a ver. Estava lado a lado com o ultimo par de dança e, parados apenas a ver, tivemos a noção da surpresa que devemos provocar a quem não dança. A quem passa por aquela sala no Braço de Prata para ver e é confrontado com sons diferentes do habitual, apesar de familiares. Sons portugueses e do mundo dançados em roda, a pares, em linha. Em coreografias mais ou menos aprendidas.
Alguém pergunta: "É uma valsa de quantos tempos?"
Ele comenta "É estranho... parece desenquadrado..." e sorriu.
"Se os olhos que observam também forem, então é estranho"
Já não me lembro quando foi... mas foi há demasiado tempo. É curioso como se sente a falta do som, do ritmo, do deixar ir o corpo ao som da musica. Não danço a dança. Danço a musica e as pessoas. Danço o ambiente.
E neste ambiente, a musica é trazida de outros tempos para este, as pessoas têm uma saudade de algo que quase já passou. Não se enquadram em discotecas, apesar de citadinas. Quase não se enquadram na cidade. Procuram estes espaços, esta musica, esta disponibilidade, esta leveza e naturalidade.
Rumam aos festivais, ao Carmo, aos concertos medievais e do mundo. Descobrem novas sonoridades, novos espaços.
Procuram a fluidez da dança para a aplicarem na vida... ou aplicam na dança a fluidez da vida. Existe algo de indefinido que une as pessoas ali à volta.
Inicialmente parece dificil lá entrar, naquela bola de sabão. Mas a fronteira é ténue. Precisei de ganhar coragem, respirar fundo e atravessar a distancia de um pequeno salto dentro de mim mesma para pedir que me ensinassem. Este salto não é fácil. A dança, apesar de simples, não é fácil. É preciso soltar as amarras dos pés, soltar o corpo, perceber que quem ri, está a rir connosco.
É realmente estranho... para quem está de fora e não solta essa parte de si.
Amanhã, vamos dançar?

Entrelinhas

Fiquei com o botão da sensibilidade exagerada ligado... esqueci-me, pelo caminho, de o desligar. Não fico incomodada.... mas esta mania de ler nas entrelinhas, de perceber as motivações por detrás das palavras, dos olhares. Não me deixa incomodada.... e às vezes nem me apetece perguntar nada: "O que é que disseste?", é que não foi isso que ouvi...
A conversa mais banal pode tornar-se estranha. E pergunto-me onde se encaixa mais isto... esta caracteristica não é nova, só nunca a vivi assim.
Aqui, deste canto do mundo, às paginas tantas, volto a lembrar o que sente um estranho numa terra estranha. Voltam a lembrar-me o que faz uma estranha numa terra estranha...
E enquanto não se concretiza pinto o mundo e faço bolas de sabão...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Al-Kinan ou A Terra das Sombras

No fim de semana passado fiz uma viagem a um sitio estranho...
Apesar de estar em movimento constante, dorido, quase apressado, o local de destino foi uma surpresa. Esperava ir fisicamente mais longe, mas a verdade é que o meu corpo parou exactamente onde tinha de parar.
Viajei a um local onde o silencio impera. Onde, ultrapassada a barreira da dor, do medo do sofrimento, restou apenas um local. Um local de silencio, onde o que não é explicado por gestos ou acções perde a importancia, onde se constroem pontes reais entre as pessoas. Onde, não havendo palavras se está muito mais atentos aos olhos. Onde a linguagem é outra...
Fui a pé menos do que tinha planeado, mas já devia saber que o melhor é não fazer planos. Por vezes, por vezes a Vida tem outros planos.
Fui em silencio, abençoado silencio, que me deixou focada, calma, centrada em mim e muito mais atenta.
Fui até onde o meu corpo permitiu. Levei-o ao extremo da exaustão, até ao ponto de se desligar e a minha mente ignorar as minhas dores e perceber as dos outros.
Andei este ano a perguntar-me porque é que tinha tomado uma decisão destas e só depois de ter feito esta caminhada compreendi o para que. Ainda estou a integrar alguns deles.
De repente dou por mim mais leve, sinto diferenças que, de tão subtis, poderiam passar despercebidas.
Dou por mim a não sentir culpas, a não sentir medo.
Pensei tantas vezes que se conseguisse fazer isto conseguiria fazer tudo... e o mais engraçado é que, apesar da recusa do meu corpo em dar mais um passo sequer, a 3 km de Alcanena, passados os 93km que já tinha percorrido em dois dias, quando finalmente cheguei ao centro onde supostamente ia dormir, em vez de ir descansar, subi ao piso de cima e, ainda em silencio, peguei no material de enfermagem e fui tratar de pés e bolhas. Estive ali sentada até já não haver mais ninguém para tratar. A lavar e tratar os pés dos meus companheiros de caminhada...
Quando terminei pedi para tratarem de mim... sabia que já tinha chegado onde tinha que chegar. Sabia que o cuidado e carinho que dei naquelas ultimas horas foram mais que em todos estes anos de voluntariado. Porque tinha finalmente aceite, tinha finalmente construido a ponte para aquelas pessoas. Tinha descido do meu pedestal e tinha-me juntado a elas. Já não me achava diferente ou com maior compreensão.
Pelo caminho ri de alegria e partilha, chorei de dor e desespero, amparam-me e amparei...
Baixei o meu nariz de orgulho e presunção.
Naquele caminho não interessa o que se sabe, o que se diz, o que se aparenta, o que se tem. Não interessa que se caminhe mais depressa ou mais devagar.
Naquele caminho as dores são partilhadas, comprendidas e ajudadas, entre todos, a serem aliviadas.
Naquele caminho abranda-se o passo para se acompanhar alguém que vai mais devagar, abranda-se o passo para se cumprimentar quem passa.
Naquele caminho desviamo-nos amavelmente para ceder passagem e, quem vai mais depressa, espera que nos desviemos.
Naquele caminho vamos atentos uns aos outros.
Pensei tantas vezes que se fosse capaz de o fazer conseguiria fazer tudo...
E descobri, num local estranho de mim, que sim, que posso não conseguir fazer tudo.
Mas sei como o fazer.

sábado, 9 de maio de 2009

Silêncio

Pedem-me para falar de mim e gostava de ficar muda...
Sou o que Sou
Eu sou Tu e Tu és Eu
E estou assim... como estou.
À parte isso contenho em mim todas as dualidades e às vezes nenhuma.
Quando me esqueço, escrevo.
Quando me lembro sorrio.
E quanto ao resto... religiões, estados civis e afins... desempenhamos os papeis que escolhemos, acompanhados das pessoas, palavras, livros, imagens, musicas e danças que queremos.
Aqui, neste momento não me apetece nenhum...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

E da noite nasce o dia

E da noite nasce o dia
E com o dia a alegria
A cada pulsação
Em cada respirar
Nasce um sol
Nasce, em cada
Amanhecer
Floresce em cada
Entardecer
Assiste em cada
Por do sol
Quando a noite
Regressa
Suavemente
Levanta-se um vento
E, da minha janela
A alegria
Amadurece

sábado, 2 de maio de 2009

Ser mãe do Miguel é...

Passaram-me trabalhos de casa para este fim de semana, no colégio do meu pequenote. Sem saberem que o meu fim de semana já ía ser alucinante e cansativo o suficiente, ainda me dão uma enorme folha A3 com o título acima descrito.
Olhei para a educadora com ar desanimado e pensei "É dia da mãe e ainda me dão trabalho..."
Enfiei a enorme folha branca no banco de trás e entre os intervalos de outras ocupações fui pensando o que raio haveria de escrever... trabalhos manuais... eheheh não me parece! Colagens e afins? Nem pensar! Escrever? Pois... é sempre a opção correcta. Quer dizer, nem sempre que isto à custa de insistir as palavras faladas estão a começar a fluir... Mas não posso colar essas numa folha...
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Ser mãe do Miguel é:
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É acordar pela manhã
E ficar perdida a contemplar.
É perguntar-me e voltar a perguntar
Se ele nasceu mesmo de mim,
Enquanto reconheço o meu melhor.
É encantar-me com o olhar,
Rir com o sorriso,
Desesperar com a vontade.
É abrir-se o coração e
Dar-me conta do amor e da paixão.
É, numa manhã menos feliz,
Dar-me um sol num bom dia luminoso.
É um privilégio, uma honra.
É saber que não há palavras
E o que de melhor fiz na vida.
É o que é e é tudo o que é,
Sabendo que com ele
Sou mais que mãe,
Brilho mais que eu,
Sou mais que eu.