quinta-feira, 17 de março de 2011

Numb

E agora podia ficar dormente e não sentia? Só um bocadinho? Ninguém dava por nada e eu andava distraída de mim e dos outros, perdia ligações directas e outras menos directas e ficava dormente, só por um bocadinho...

Os lábios ficavam dormentes, as faces, os olhos, os ombros, os braços, as mãos, devagarinho. Depois eram os seios, o peito, as costas. A seguir as pernas a começar nos pés. Um dedo e depois outro, as pernas, as coxas, devagarinho para nem eu dar por isso. Por fim, ficavam dormentes o sexo, as nádegas, o ventre. Ninguém, nem eu, reparava e adormecia-me, embalava-me para não sentir, nem com estes nem com outros sentidos.

Sem reparar começava a saborear menos, a deixar de cheirar, a visão enevoava-se, deixava de ouvir. Cada vez mais distante e entorpecida, adormecia os sentidos e os outros para além destes.

Perdia o sentido de mim e do que me rodeia, ficava o silêncio sem saber que o era pois até a mente ficava dormente. Os pensamentos deixavam de se formar, as intuições e visões de surgir, deixava de sentir, de me ligar, baixinho para não reparar.

Ficava o silêncio sem saber que o era, silêncio. Ficava o vazio, a escuridão e ninguém sabia pois nem a memória da luz permanecia. Ficava o nada que era tudo o que existia. Não ficavam memórias nem projecções, não existiam sonhos nem recordações e nem o agora permanecia.
Sem tempo, sem prazos, sem minutos, sem espaço.

Não ficava nada sem saber que o era, nada. Sem sonhos nem esperanças, sem quedas nem voos, sem abismos nem saltos de fé, sem mim nem os outros, sem coragem nem cobardia, sem desistir, só adormecia...
Só um bocadinho, pode ser? E quando regressasse voltava vazia, talvez noutro corpo, outra vez, podia ser?

Ser humano por vezes pode ser cansativo e apetecia-me ficar dormente e não sentir nada, desligar o botão e deixar de ser, só um bocadinho, pode ser? Sem químicos, nem vinhos, sem hormonas naturais nem chás, sem meditações transcendentais.

Não é a morte que peço, que fique bem claro pois que essa, assim dormente seria uma não ilusão. Só peço a dormência de não sentir nem decidir, de não pensar nem acreditar, de não falar nem ouvir, de ficar vazia de mim e do mundo.

Só um bocadinho, pode ser?

3 comentários:

Anónimo disse...

Só um bocadinho, um manto de sono santo, talvez.
Depois quem chegar primeiro que te dê um beijo de vida e siga. Posso ser eu.

Hiromi disse...

ooi, se quiser entra no meu blog
http://bakaisme.blogspot.com/
oobg

Be'emoth disse...

Belo texto :)

Nele encontrei uma curiosa convergência com este outro:

«(...)Ainda se ao menos

- intervalo!

um intervalo, pequeno que fosse, nesta coisa dolorosa de estar viva, uma amnésia selectiva que me apagasse das memórias

- quem?!(...)»

Be'emoth, Fragmento nº37

http://beemoth.blogspot.pt/2008/11/fragmento-n37.html

Espero que não tenha parado de escrever...