segunda-feira, 12 de outubro de 2009

No Fundo do Mar

Paramos junto ao vidro e não resisto. O chão tem alcatifa azul e macia... Olho para baixo enquanto me pergunto se também ela terá água. Sento-me encostada ao vidro e à parede e peço ao meu filho para me acompanhar. Passo as mãos na alcatifa enquanto cruzo as pernas e arranjo espaço para ele se sentar entre elas. Nem um pouco de humidade... os olhos desviam-se do escuro para o azul e prata, para os reflexos e ondulações, para os movimentos dos peixes que passam suavemente junto ao vidro, completamente alheios aos vultos que se encostam e dedilham aquela superficie estranha. É só mais uma supefice, só mais uma fronteira para um mundo que só conseguem adivinhar. Volto a passar os dedos no chão em busca de algo que me prenda aquele reino, que me faça sentir, mais que ver. Passo a mão para o vidro enquanto o olhar continua hipnotizado pelo ondear da luz.
As pessoas passam junto a nós e hesitam um segundo. Talvez se queiram tambem sentar no chão encostadas ao vidro, penso, enquanto me encosto mais ao vidro e à parede, na tentativa de criar mais espaço para quem passa. Ou talvez estranhem a posição confortável junto a um mundo tão estranho e diferente, tão aparentemente esmagador. Sinto o vidro com os dedos, encosto a palma da mão e fecho os olhos... sinto a vibração, a diferença que pode passar por frieza... não é... é so muito diferente. Que energia tão pouco habitual... Abro os olhos e olho atenta para onde o meu filho dirige o olhar. Para cima, para o fundo, para os tubarões que passam tranquilamente. Tem o ar de espanto e admiração que eu própria devo ter. Como é que se vai para o outro lado do espelho? Passo outra vez a mão no tapete azul. É quase frustante, é mesmo ali ao lado, à distancia de uma mão. Uma mão pequenina a companha a minha e voltamos a tocar no vidro... um peixe pequeno aproxima-se e fica junto às nossas mãos. Tão querido, diz o meu filho, enquanto de ergue e dá um beijo no vidro, na direcção da boca do peixe prateado. o gesto dele faz-me realizar o contraste com as pessoas que passam e nos olham de forma hesitante. O mundo à volta girou mais depressa ou este tempo aqui parou? Aos olhos que se movem com a fluidez ondulante da luz o tempo parou e o vidro desapareceu. O escuro atrás de nós transformou-se em azul e o resto do mundo desapareceu... Azul e prata... que contraste maravilhoso, ponteado pela areia e pelas rochas. Esqueci-me das pessoas e elas esquceram-se de nós. Respirámos calmamente a água azul e a luz, respiramos o sentimento e a emoção... Passeamos no fundo do mar, sentimos as rochas e beijamos os peixes, alheios à distancia e à diferença. Que bonito, deixo escapar por entre os lábios. Regressamos os dois do outro lado do espelho, do fundo do mar, olhamos um para o outro e ele levanta-se rapidamente, enquanto esclama, vamos mãe! As crianças são mais rápidas a mudar, penso, quando é minha vez de hesitar. Não me apetece saír do meu mundo, do fundo do mar. Regressar à superficie é um esforço. Levanto-me encostada ao vidro e demoro mais uma vez a mão a sentir aquele universo. Tão diferente, tão pouco habitual. Tão silencioso e profundo...
Houve um conceito que comecei a passar ao meu filho, nesta viagem ao fundo do mar. Mostrei-lhe a superficie e depois o que está por baixo dela. Mostrei-lhe o que perdemos quando olhamos só para um dos lados da fronteira e como podemos, se soubermos como, ir ao fundo do mar... A parte dele que se identifica com os dois lados do espelho, que reconhece a beleza na diferença, essa, só posso não limitar.

1 comentário:

Inês disse...

Oh!!! Que Lindo!!!
Só quero dizer que as crianças não são mais rápidas a mudar. Elas simplesmente não mudam. Encontram-se sempre ligadas a tudo. E como sente e vivem como uma parte do todo, não existe mudança.

Beijos