domingo, 5 de outubro de 2008

Sexta à noite2 - (In)Segurança Pública???

Sigo viagem e lembro-me que existem uma bombas antes de chegar ao centro sul e que um café seria mais que em vindo. A viagem até casa ainda leva alguns minutos e o café deixa-me dormir perfeitamente. Só me deixa um pouco mais desperta.
Chego à bomba, paro o carro e, como faço sempre a estas horas da noite, vejo bem quem é que está nas bombas e na fila. Faço isto automaticamente. Já percebi que o faço com a atitude de "tu viste-me, eu vi-te, por isso vamos lá a portarmos-nos bem, porque se acontecer alguma coisa, estou atenta e capaz de te identificar". Desde que me lembro de andar sozinha em Lisboa que o faço e talvez seja um reflexo das artes marciais. Mas a verdade é que já evitei bastantes dissabores à custa desta postura.
Estava um homem fora de um carro branco, ao pé de uma das bombas, outro a subir a rua e o empregado da loja a falar ao telemóvel. Esta é uma daquelas conjunturas que nos fazem hesitar. Reparo que o homem que está fora do carro está a olhar para o fundo da rua, com um ar agressivo e dominante (muito mau sinal!) e que o empregado está a olhar para ele enquanto fala (ainda pior!). Buzino, faço sinal ao empregado para saber se é seguro sair do carro e este responde-me com um ok. Ok é ok, penso... saio do carro, de olho no homenzinho com atitude de rufia e vou a dirigir-me para a janela da loja, quando o homem que está cá fora se dirige a nós. Mau! - penso, o que é que se passa aqui?
- Está a ligar para o 112?, pergunta ele ao empregado ao que este responde que sim enquanto me afasto ligeiramente. Pergunto directamente ao homem o que é que se passava. Nada de especial, foi só um rapaz espancado ali em baixo! - como se fosse a coisa mais natural do mundo - acho que se meteu com a mulher de outro e levou porrada!
Eu devo ser de outro planeta, com certeza. Para além de ter ficado absolutamente chocada com a testosterona inerente ao facto de ser absolutamente natural andar à pancada, ainda fiquei mais com os restantes acontecimentos:
- Mas onde é que ele está?, pergunto. Ali em baixo!, diz ele.
Ali em baixo é, na avenida principal de Almada, ou na estrada (outra vez???) ou em cima dos carris do metro à superfície.
- Mas onde?, pergunto, na estrada?
- Acho que não... deixe ver, acho que não... não, não está na estrada, está na parte do meio.
- Mas ele não se levanta?
- Não, está ali estendido, ao que aponta o dedo e finalmente consigo perceber um vulto deitado no chão, sem se mexer.
Pronto, piloto automático ligado e largo a correr na direcção do rapaz... piloto automático a toda a velocidade. Nem me consigo parar quando estou assim. É preciso, vou... sem pensar se é seguro, se o que é, se o que não é...
Chego ao pé do rapaz, sigo o protocolo, que se me perguntarem a frio nem sei exactamente qual é ou preciso de pensar antes de responder. Sinais vitais, consciente ou não, ferimentos visíveis, desapertar roupa, posição lateral de segurança e depois conversa e mimo. O 112 estaria a chegar. O rapaz estava consciente, confuso, com alterações de visão, com dois edemas enormes na região frontal e parietal, mas ainda consegui saber o nome e se tinha bebido, metido alguma droga, antecedentes, etc, etc, etc
Entretanto reparo que estaciona mais um carro branco virado para nós. E eu ali sozinha com o rapaz! Pronto! É desta que vou mesmo ser assaltada! - ao ver três homens e uma mulher saírem do carro com ar suspeito e agressivo. Vou falando com o rapaz, enquanto tento perceber o que os outros estavam a fazer. É que tinham mesmo mau aspecto!! Quando de repente um deles saca de uma sirene azul e a põe em cima do capot.............
Nem sei que diga, que pense, que sinta. Para mim é assustador perceber que esses quatro e o outro que estava inicialmente na bomba são policias. Policias à paisana, supostamente para nos proteger... ou impor a ordem??? A sério que este é para mim um mistério da natureza humana!
Aproximam-se, olham para nós e começam a conversar entre si, mas em voz alta. A minha resposta a isso foi um boa noite alto e bom som e a passar-me completamente. Ai o meu mau feitio a vir ao de cima e eu a começar a ferver....
A conversa entre eles:
-Então o que é que se passou?
- Então, pá, acho que este gajo estava a meter-se com a mulher doutro e o outro dei-lhe porrada! Ia a passar de carro e vi!
- Quem era o outro? Era um gajo de verde escuro que ia a subir a rua?
Ora, corrijam-me se estiver enganada: eu sou um bocado míope, mas de noite e com luzes amarelas o verde escuro passa por preto!
- Verde?? Como é que se sabe que era verde ou azul? De noite não dá para destingir!! - foi a minha resposta com um tom cada vez mais irritado. Aqueles meninos nem sequer se mexeram para ir atrás do outro, não me perguntaram se precisava de alguma coisa ou como é que estava o rapaz.
- Epa! Já te disse para não dizeres essas coisas, pá! - foi a resposta de um colega ao mesmo tempo que lhe dava um safanão no braço.
Até posso estar a ser facciosa, a contar isto da minha perspectiva irritada, mas ainda sei quando é que ouço vozes ou pessoas a falarem umas com as outras. E aquela conversa estava a enervar-me de uma forma...
Continuaram sem se mexer, apenas se afastaram mais um pouco. A mulher e a sua ainda bendita sensibilidade feminina foi a única que se deu ao trabalho de vir realmente ao pé de mim perguntar como é que ele estava, depois da minha explosão.
A conversa entre os outros continuava e resolvi desligar até me chegar aos ouvidos a seguinte frase:
- Também, estava a meter-se com a mulher do outro!!
Ó minha noissa senhoira!!!! Estes são policias???? Que não dizem boa noite, não se preocupam em saber como é que as pessoas estão, se é preciso ajuda, não fazem o trabalho deles pois ninguém foi procurar o agressor e ainda assumem um "acho que" como um facto!!!!!!! E num tom de: estava mesmo a ver!!!!!
A esta altura já estava a falar com o rapaz e lhe ia tapando os ouvidos quando eu não estava falar. O rapaz era perfeitamente normal, 28 anos, bonito, cabelo comprido e limpo, botas da tropa. Podia ser qualquer pessoa que conheço, podia ser um amigo meu, podia ser meu irmão, podia ser eu, podia ser o meu filho daqui a alguns anos. Podia ser qualquer pessoa. Mesmo que não fosse bonito, que tivesse o cabelo ou a roupa suja, que cheirasse mal, que estivesse bêbado ou pedrado - é uma pessoa!! E ninguém merece ser espancado! Ninguém merece ficar com um traumatismo craniano por causa de nada, muito menos por amor ou paixão ou tesão ou o que quer que seja!!! Ninguém merece! Nem mesmo aqueles mentecaptos que andam a brincar ao serviço à comunidade e segurança publica!
Chega a ambulância e um deles vira-se para mim, mesmo antes dos bombeiros chegarem e diz-me: "Pronto, agora já se pode ir embora e deixa-los fazer o trabalho deles".......................... ignorei e voltei a respirar fundo - ignorantes do raio que o parta! Nunca por nunca se abandona um caso de 1ºs socorros sem informar os bombeiros do que se passou até aí. Chegam finalmente os bombeiro, passo a informação e pergunto ao rapaz se consegue levantar-se. Ele levanta-se com ajuda e segue para a ambulância apoiado.
Nem queria olhar para a cara dos policias, de tão zangada estava. Mas não consegui. Agora imaginem-me a apontar o dedo ao nariz deles: "Deviam ter vergonha!! Tamanha insensibilidade, como é que é possível? Que vergonha!" Viro costas e sigo caminho, completamente passada - foi uma sorte ser bem educada e o meu pai não tolerar palavrões, senão a minha linguagem não teria sido propriamente esta e eu ainda ia parar à esquadra por desrespeito à autoridade...
A única coisa que me deixou a pensar que talvez não tivesse sido em vão, foi um deles vir atrás de mim e perguntar-me: "Mas porque é que diz isso?"
- Se não se apercebe da sua insensibilidade, como é que quer que lhe explique?? - talvez não tenha sido a minha frase mais brilhante, mas foi a única que me saiu da boca. E o resto, tudo o que lhes poderia ter dito, não serviria para nada.
Enfiei-me no carro, tranquei as portas e pensei - Não vou ser capaz de dormir nada...

1 comentário:

Inês disse...

Como sabes recebo diariamente pequenos textos para reflectir sobre o dharma (o nosso caminho).

Este acho que se acenta-te hoje que nem uma luva.

Beijos Linda do Coração e só posso dizer que cada vez mais admiro o teu altruísmo


"Knowing What To Do

I like that the point of convergence of liberation theology, Islamic mysticism, and engaged Buddhism is the sense of love that leads to commitment and involvement with the world, and not a turning-away from the world. A form of wisdom that I strive for is the ability to know what is needed at a given moment in time. When do I need to reside in that location of stillness and contemplation, and when do I need to get up off my ass and do whatever is needed to be done in terms of physical work, or engagement with others, or confrontation with others? I'm not interested in ranking one type of action over the other."