quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vertigem

O vento entra pelos poros da pele, escapa-se por entre a roupa e toca a pele, entranha-se e penetra a alma, lembra-me que estou viva.
Ao longe, lá longe o mar canta entre murmúrios e rugidos. Fala de si, de acalmias e tempestades, de ondas gigantes e dos peixes no mar. Fala das brincadeiras com os navios e das escondidas com os faróis.
Debaixo dos meus pés adivinha-se uma falésia, banhada pelo mar e segura pelo vento.
Abro os braços e deixo-me ir na brisa. Inspiro profundamente, de coração apertado.
Há alguém atrás de mim? Alguém à minha espera? Tenho que esperar por alguém?
Não me lembro exactamente como fui ali ter, entre o torpor de sentires e pensares. O carro guiou-me e depois os pés. Deixei-me guiar até ali sem consciencializar onde estava. Quando finalmente desperto sinto um quase vazio debaixo dos pés, a sensação urgente da recordação de voar. Lembras-te? Abrias os braços, davas um passo e deixavas que o vento te sustivesse o tempo suficiente para voares. E passavas noites nesse embalo, enquanto o frio se entranhava entre a roupa, a chuva te banhava e a lua e as estrelas te iluminavam. Lembras-te?
Com a recordação vem a vertigem, brusca, intensa. Lembro-me. Só não me lembro como se faz. Os passos cambaleiam e relembro que estou viva, enquanto o corpo oscila no quase vazio. As memórias vão ficando mais intensas, mais vividas. Cambaleio e recuo. Ainda não, penso. Não quero dar este salto sem ter a certeza que ninguém me espera.

2 comentários:

Inês disse...

Sempre que estou em algum lugar alto a minha primeira tendência é saltar. É tão bom poder saltar e saber que a única pessoa que está lá para me poder amparar só poderá ser eu. Sou eu que que apreendo a voar, sou eu que me atiro e sou eu que me aparo na queda. Como dizia alguém dar o salto todos têm de dar a diferença está unicamente na altura.

Aglaia disse...

Cris
Obrigada pelo teu comentário no meu blog.
O gosto da leitura é mútuo!
Já te sigo há um tempo.
Foi uma pessoa que me é muito querida que me deu a conhecer o teu blog.
Estou grata aos dois.
Adoro particularmente este texto da "vertigem" porque tem a componente mar...
Continua!
Aglaia