quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Ilusão

Pesar-me todos os dias
Quase entrar em pânico se as calças me estão mais apertadas
Respirar fundo antes e depois para não entrar em pânico
Ter de esconder a ansiedade quando isso acontece à frente de outras pessoas
Não gostar de espelhos de corpo inteiro
Passar dois meses em que me esqueço de tudo isto e pareço estar bem
Um belo dia, seja porque razão for, voltar a cumprir todos estes rituais
Insistir que, apesar da idade e do filho, não posso vestir mais que o 36
Nunca deixar passar muito tempo sem fazer exercício físico, por razões puramente psicológicas
Ser gulosa e odiar sentir-me cheia
Ter tido variações de peso absolutamente astronómicas nos últimos 10 anos
Controlar-me para não usar a comida como substituto de quaisquer carências afectivas
Voltar a passar dois meses em que me sinto bem na minha pele
Passar-me completamente outra vez só porque me vi de esguelha ao espelho e não gostei do que vi
Controlar à exaustão tudo o que como
Só gostar de me ver se estiver quase no 34
Fazer um esforço tremendo para sair desta pescadinha de rabo na boca e voltar a trabalhar o gostar do meu reflexo, do meu corpo e assumir que tenho curvas
Controlar moderadamente o que como sem ansiedade durante mais dois meses
Continuar a pesar-me todos os dias
Ficar ansiosa se não o faço mesmo que já aceite que não preciso de ser tão perfecionista
Ter absoluta noção e consciência que sinto tudo isto, saber a maior parte das razões que estão por detrás, trabalha-las e mesmo assim continuar a entrar em pânico quando sinto as calças mais apertadas
Conseguir usar biquíni na praia porque ignoro que tenho corpo e recuso olhar para qualquer reflexo em que possa ver-me
Ficar surpreendida quando vejo fotografias minhas e perceber que afinal não tenho peso a mais e que nas fases piores até tenho a menos
Mas mesmo assim não gostar do que vejo reflectido no espelho
Reconhecer imediatamente pessoas que sentem o mesmo que eu em relação ao corpo
Fazer um esforço tremendo e desnecessário para esconder isto de todas as outras pessoas, mesmo que sejam amigos de coração
Agarrar-me com unhas e dentes à recordação do que senti e à escolha que fiz quando me disseram que corria risco de vida com tão pouco peso
Saber os riscos que corro quando me deixo afundar um pouco
Lembrar-me outra vez e fazer um esforço para me levantar
Impor-me um limite mínimo e máximo de peso
Aprender a viver com isto já que os anos vão passando e não desaparece
Saber que isto é tudo uma ilusão e mesmo assim continuar a deixar-me iludir

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