sexta-feira, 15 de maio de 2009

Al-Kinan ou A Terra das Sombras

No fim de semana passado fiz uma viagem a um sitio estranho...
Apesar de estar em movimento constante, dorido, quase apressado, o local de destino foi uma surpresa. Esperava ir fisicamente mais longe, mas a verdade é que o meu corpo parou exactamente onde tinha de parar.
Viajei a um local onde o silencio impera. Onde, ultrapassada a barreira da dor, do medo do sofrimento, restou apenas um local. Um local de silencio, onde o que não é explicado por gestos ou acções perde a importancia, onde se constroem pontes reais entre as pessoas. Onde, não havendo palavras se está muito mais atentos aos olhos. Onde a linguagem é outra...
Fui a pé menos do que tinha planeado, mas já devia saber que o melhor é não fazer planos. Por vezes, por vezes a Vida tem outros planos.
Fui em silencio, abençoado silencio, que me deixou focada, calma, centrada em mim e muito mais atenta.
Fui até onde o meu corpo permitiu. Levei-o ao extremo da exaustão, até ao ponto de se desligar e a minha mente ignorar as minhas dores e perceber as dos outros.
Andei este ano a perguntar-me porque é que tinha tomado uma decisão destas e só depois de ter feito esta caminhada compreendi o para que. Ainda estou a integrar alguns deles.
De repente dou por mim mais leve, sinto diferenças que, de tão subtis, poderiam passar despercebidas.
Dou por mim a não sentir culpas, a não sentir medo.
Pensei tantas vezes que se conseguisse fazer isto conseguiria fazer tudo... e o mais engraçado é que, apesar da recusa do meu corpo em dar mais um passo sequer, a 3 km de Alcanena, passados os 93km que já tinha percorrido em dois dias, quando finalmente cheguei ao centro onde supostamente ia dormir, em vez de ir descansar, subi ao piso de cima e, ainda em silencio, peguei no material de enfermagem e fui tratar de pés e bolhas. Estive ali sentada até já não haver mais ninguém para tratar. A lavar e tratar os pés dos meus companheiros de caminhada...
Quando terminei pedi para tratarem de mim... sabia que já tinha chegado onde tinha que chegar. Sabia que o cuidado e carinho que dei naquelas ultimas horas foram mais que em todos estes anos de voluntariado. Porque tinha finalmente aceite, tinha finalmente construido a ponte para aquelas pessoas. Tinha descido do meu pedestal e tinha-me juntado a elas. Já não me achava diferente ou com maior compreensão.
Pelo caminho ri de alegria e partilha, chorei de dor e desespero, amparam-me e amparei...
Baixei o meu nariz de orgulho e presunção.
Naquele caminho não interessa o que se sabe, o que se diz, o que se aparenta, o que se tem. Não interessa que se caminhe mais depressa ou mais devagar.
Naquele caminho as dores são partilhadas, comprendidas e ajudadas, entre todos, a serem aliviadas.
Naquele caminho abranda-se o passo para se acompanhar alguém que vai mais devagar, abranda-se o passo para se cumprimentar quem passa.
Naquele caminho desviamo-nos amavelmente para ceder passagem e, quem vai mais depressa, espera que nos desviemos.
Naquele caminho vamos atentos uns aos outros.
Pensei tantas vezes que se fosse capaz de o fazer conseguiria fazer tudo...
E descobri, num local estranho de mim, que sim, que posso não conseguir fazer tudo.
Mas sei como o fazer.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não há forma de Te dizer o quanto Te respeito e adoro.
Estive e estou contigo *

Mariana Campos