sábado, 6 de junho de 2009

Chocolate - Brownie

A minha inquilina quis adoptar um cão e combinamos ir, esta manhã, ao jardim em frente aos Pastéis de Belém onde a "SOS Animal" faz as suas campanhas de adopção. Quando chegamos só lá estavam os gatos. Estivemos a ve-los e acabamos por decidir ir tomar o pequeno almoço enquanto esperavamos pela senhora que trazia os cães. Lá fomos nós calmamente comer um pastel de nata quentinho, como manda a tradição nestes passeios, acompanhado de um café para despertar.
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Estavamos tranquilamente a comer os pastéis num banco de jardim, perto do local onde estavam os animais quando chegam duas carrinhas do Canil Municipal de Lisboa. Estacionam e começam a tirar os cães lá de dentro. Sujos, alguns bem magros e completamente estéricos pela mudança de rotina ao canil. Oito cães quase impossiveis de controlar. Trazem um por um com as trelas e vão prendendo-os às arvores e bancos de jardim, no local. Fiquei imediatamente em estado de choque. Vejo uma bonita boxer sem a cauda cortada, muito magra. Como é que se abandona um animal destes? Como é que se abandona qualquer animal? Há sempre alternativas! Existem associações de recolha, quintas que aceitam sempre mais um cão... Basta procurar, basta a pessoa que levou o cão cachorro para casa dar-se ao trabalho de lhe arranjar um lar condigno. Não precisa de ter um sofá, não precisa de estar dentro de uma casa. Mas definitivamente não precisa de ser recolhido para um canil onde, se houver lotação completa, abatem os mais antigos para poderem recolher os mais recentes...
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Este conceito é algo que me incomoda e arrepia. Parece-me sempre demasiado próximo da realidade de se fazer o mesmo às pessoas. Não é um mal necessário... é pura maldade! Como se também aí não houvesse outra solução. Como se a unica coisa que falta é vontade de tratar condignamente qualquer ser vivo! Uma visita a um canil é como ir a um campo de concentração. Só quem não tem a coragem de olhar nos olhos do cão ou gato ali preso, longa e profundamente, não percebe a profunda tristeza do animal. A compreensão de que não queria ali estar e o amor e agradecimento que sente por quem de lá o tira.
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Estava meia perdida nestes pensamentos enquanto olhava para os cães que saiam do canil, quando alguém grita "Chocolate!!"
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Olho e vejo uma bonita e vivaça cadela cor de chocolate. Pura rafeira, bem alimentada e com o pelo brilhante apesar de sujo. Que nome delicioso!
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Depois de todos os cães presos e acomodados dirigi-me a cada um deles. Sentei-me, fiz-lhes festas, apreciei as diferentes personalidades. Observei os diferentes estados de saude e a vivacidade de cada um. Não queria trazer nenhum deles. Mas no fundo de mim mesma sabia que o que estava a fazer ou era tortura a mim mesma ou inconscientemente ia trazer um cão. Seria incapaz de não ir ter com cada um deles e dar-lhe um pouco de atenção e carinho. Mas não parei aí. Insisti em ficar com cada um deles o tempo suficiente para sentir a ressonancia e sintonia que teriam comigo e eu com eles. Olhei nos olhos e falei com cada um deles.
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Quando foi a vez da "Chocolate" fiquei estarrecida. Com uma cor linda, castanha escura, olhos cor de mel, doces e meigos. Quando me viu dirigir-me a ela fez-me uma festa, rentinha ao chão, orelhas para trás, contentissima e oferece-me a barriga para festas enquanto me olhava com olhos doces. Já não me consegui afastar. Um dos rapazes da SOS Animal, quando me vê junto à cadela, aproxima-se e começa a falar da Chocolate. Pergunto-lhe à quanto tempo está no canil e diz-me simplesmente há 3 meses.
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Três meses fechada numa jaula conjunta... em condições que nunca tive a coragem de observar com os meus olhos. Que me deixaria de rastos e a trazer um cão que supostamente não poderia ter...
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Sei que a minha atitude é partilhada pela maioria dos lisboetas, pela maioria dos portugueses. É mais fácil falar com alguém que teve uma ninhada e ficar com um . É mais cómodo(?) comprar um animal de raça para mostar que se tem dinheiro, status ou qualquer outra coisa que não compreendo. Mas depois de hoje... depois de hoje não sei o que acontece. Mas houve qualquer coisa que mudou. Nunca mais vou ser capaz de pensar em ter um cão sem passar pelo canil.
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Continuo junto a ela a arranjar mentalmente pretextos para não a trazer. É curioso como tentamos contrariar mentalmente as escolhas do nosso coração. A forma como arranjamos argumentos para justificar não seguir o que o nosso coração já sabe.
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Só para me atormentar, passa uma criança com cerca de 6 anos e penso "É agora! Se não gostar de crianças não a vou poder levar!". A criança aproxima-se e para meu espanto a Chocolate fica feliz com o recém chegado e cuidadosamente aproxima-se do rapazinho e pede-lhe festas na barriga. Brinca com a criança tranquila e cuidadosamente. Fico espantada pela doçura e cuidado. Quando a criança se afasta resolvo fazer uma patifaria "Á lá Miguel" e puxo-lhe o rabo com alguma força. Não o suficiente para magoar, mas o suficiente para a poder irritar.
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A Chocolate nem reage. Fica impavida e serena a olhar para mim, como uma mãe carinhosa e compreensiva e volta a mostrar-me a barriga para festas. Fico a olhar para ela enquanto uma parte de mim se ri e me mostra que se estão a acabar os argumentos. Alguém tráz uma taça com ração e faço uma ultima tentativa. Não quero um animal em casa que seja agressivo só porque lhe estão a mexer na comida. Arrisco uma dentada e enfio a mão na comida enquanto ela come. Mais uma vez nem reage. Para de comer, olha para mim e afasta-se ligeiramente.
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Levanto-me e sem pensar duas vezes vou ter com um dos responsaveis. Pergunto-lhe o que é necessário para a adopção e ele imediatamente se disponibiliza. Acaba por me dizer que ainda não tinha percebido como é que ela ainda não tinha sido adoptada pois era uma das cadelas mais meigas e extraordinárias que por lá tinha passado. Um dos senhores da associação acaba por me dizer que se ninguém a levasse hoje, ele não ía ser capaz de a enviar para o canil e ficaria com ela...
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Se me tivessem dito antes (o que é obvio que não fariam) teria tido o argumento perfeito para não a levar. Mas naquele momento o que pensava e o que sentia estava em sintonia com o que fazia.
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Voltamos com os papéis para ao pé da Chocolate e enquanto preenchemos os papéis ela acaba por se enrolar nas nossas pernas ao que digo: "Brownie! Tem juizo e dá a volta!". Ela pára, olha para mim, enquanto me espanto com a tirada e ela dá tranquilamente a volta e solta as nossas pernas da trela.
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Acabamos as questões burocraticas, agarro na trela e afasto-me da confusão. De cada vez que a chamo ou lhe falo sai-me sempre Brownie. E ela responde sempre...
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Quando chego a casa aguardo o teste de fogo... tenho duas gatas habituadas a serem donas e senhoras da casa. Quer dizer... mais ou menos, que a energia do Miguel acaba sempre por as confinar à varanda a que ele não pode aceder.
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E o teste de fogo passa-se quando a Brownie vê a Margarida (uma gata linda e meiga, toda branca, de 14 anos que me acompanha practicamente desde que sai de casa dos meus pais) e tem a mesma reacção que teve com a criança. A reacção da Margarida é que me deixa espantada. Aproxima-se, cheira à barriga à Brownie e o nariz e acaba o reconhecimento com uma violenta marradinha a pedir-lhe festas. Ao que se afasta calmamente...
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Neste momento está, de banho tomado e bem escovada, confortavelmente deitada com o cão bebé que a minha inquilina trouxe enrolado na barriga e completamente adoptado por ela.
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De cada vez que me levanto, ela levanta-se e segue-me. Se paro deita-se ao pé de mim. Perfeitamente adaptada à casa e a mim. Em perfeita sintonia.
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A foto é dela. É uma das que está no site da SOS Animal. É um antes...
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E esta é uma estória com um final feliz...
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3 comentários:

AER disse...

Tenho de fazer algum esforço para não deixar uma lagrimita formar-se. Que linda é a tua Brownie ;)
Feliz feliz :)

Inês disse...

Ela é linda!

Beijos

Cris disse...

Mas é mesmo! :)
Linda e doce...
Tenho imensa sorte em querer estar comigo ;)
Beijos às duas
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