
Faço, desde há 4 anos, apoio a peregrinos de fátima, 2 vezes por ano, em Outubro e em Maio.
O primeiro ano fui meia desconfiada... fátima sempre foi aquele local ambiguo, onde a energia primária é muito boa, mas tudo o que acontece à sua volta me deixa mal disposta e enjoada.
A questão sacrificio, o auto-flagelamento das voltas de joelhos e o cumprimento de promessas foi sempre uma coisa estranha para mim.
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Quando fui a primeira vez foi, exactamente, para perceber o que motivava aquelas pessoas. O apoio é feito na ultima noite, em Alcanena, antes das pessoas fazerem o ultimo troço da caminhada. São mais de oito horas a tratar de bolhas nos pés e a fazer massagens. Fui e tenho ido acompanhada de outras pessoas e alunos e saimos de lá completamente exaustos mas interiormente muito mais ricos. No meio das mais de oito horas ouvimos, perguntamos, mimamos e somos mimados de uma forma extraordinária. Apesar da exaustão pergunto-me sempre "Quem dá o que a quem?"
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Encontra-se de todo o genero de pessoas... desde a senhora de 80 anos que vai cumprir uma promessa pela neta que está doente, o ex-toxicodependente que vai todos os anos com um cajado e todos os anos o marca por mais um ano limpo, as inumeras pessoas que vão sem fé em fátima, mas com toda a fé em si proprios e em algo mais que nem sabem definir, às pessoas que vão em busca de si mesmas e dos seus limites...
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Ao longo deste tempo tenho percebido e espantado com as motivações, tenho aceite os sacrificios e tenho percebido que entre as pessoas que caminham poucas são a que chegam a fátima e se mantém mais que uma ou duas horas no interior do santuário. Essas chegam com a sensação clara que já está.... já cumpriram o que tinham a cumprir, já purgaram o que tinham a purgar... e no ano seguinte repetem. Não por uma questão de fé em fátima... mas porque sim. É a viagem anual ao seu interior.
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120 km em que um pé à frente do outro se chega mais proximo de uma qualquer fronteira. Cada uma daquelas pessoas tem essa fronteira definida, seja ela uma cura, uma comemoração ou a sua propria fronteira, o derrubar dos seus muros e barragens, o deixar sair toda a agua estagnada e permitir que o rio volte a correr...
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E eu dizia para mim propria... hei-de fazer, sim. Mas será a de Santiago de Compostela! E relembrava a maravilhosa cidade, com toda a sua vibração, as paisagens do minho e os caminhos que esconde.... lembrava o verde, o fértil...
Até perceber que apesar de mais longa torna-se mais fácil... não existe aridez, os olhos olham para fora, pois tuda a região é bela... Não existem razões para sermos confrontados com as regiões mais escondidas de nós mesmo, com os recantos mais escuros... o que está no exterior é mais apelativo.
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E no meio destes pensamentos, faz em Maio 1 ano, a meio de uma pausa ao olhar para as pessoas que descansavam enquanto esperavam pelo jantar deu-me uma das maiores travadinhas que me têm dado nos ultimos tempos... percebi claramente que a fazer algum caminho teria sempre de fazer primeiro aquele. Nem houve tempo para decidir. Nem sei se decidi. Só sei que percebi que tinha que o fazer... e que teria de ser em silencio. Sem uma palavra, sem um queixume, sem um desabafo, sem nada que me distraisse para o exterior.
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Sei, pela experiencia do que tenho observado, que o que vou fazer é uma violencia. Sei que 120km a pé e em silêncio durante 3 dias me vai levar a uma qualquer fronteira... e que não sei o que vai estar do outro lado.... nem sei o que vou encontrar pelo caminho.
Não sabia com quem iria, com que grupo iria, quem me iria buscar.
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Vou este ano... vou daqui a 2 semanas.... contagem decrescente..... vou lado a lado com uma amiga que resoveu acompanhar-me, que aceita e respeita o facto de ir em silencio. Não podia ter pedido melhor apoio. Vamos inseridas num grupo engraçado, em que as pessoas se apoiam e conhecem. Só me faltava pedir a alguém que nos fosse esperar às portas de fátima. Não vamos entrar na cidade, muito menos no santuário.
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E aqui começaram a surgir as minhas primeiras fronteiras. Não sei como vou estar, não sei o que vou sentir, não sei o que vou encontrar. Não sei como vou estar no fim do caminho. Não sei em que condições fisicas e emocionais. Não sei se vou querer estar em silencio ou falar o tempo inteiro na viagem de regresso, não sei se vou chorar ou rir ao regressar a Lisboa. A pessoa que nos viesse buscar iria ter de saber respeitar isso, iria ter de saber que estava tudo bem e que era natural. Comecei a pensar nas minhas pessoas e ocorreram-me de imediato 3 delas.
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O que vou fazer é uma coisa tão pessoal que tenho hesitado falar sobre isso com a maioria das pessoas. Até ao momento em que publicar isto apenas 7 pessoas sabem da minha boca o que vou fazer. Nem os meus pais sabem... não disse a nenhum deles. Não me tem apetecido ter de justificar algo que não posso justificar em português, em palavras. Não me tem apetecido receber a mesma reação de desconfiança que eu propria teria há alguns anos. Não me apetece sequer dizer a frase mais simples:
"Não é uma questão de fé em fátima... é uma questão de fé em mim propria"
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Falei com cada uma dessas 3 pessoas, pensando que saberiam, perceberiam a importancia que tinham nesta descoberta...
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Uma disse de imediato que não podia e falou sobre o tempo...
Uma disse que não podia e compreendi o porque...
Uma disse que não sabia e nunca mais se falou sobre isso...
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Foram 3 pessoas e 3 chapadas...
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Percebi perfeitamente o porque das 3 pessoas que pensei que podia confiar para a viagem de regresso não se terem mostrado disponiveis.... percebi perfeitamente o corte na confiança e a questão disponibilidade.... percebi de tal forma que ficou um vazio... qualquer vazio é doloroso no inicio... e esta dor ainda está a passar com todo o esforço inerente para não me deixar insensivel e embrutecida por ela...
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Ainda não percebi porque é que estou a ter dificuldade em encontrar viagem de regresso... é uma viagem sem retorno? Ou simplesmente não estou a pedir às pessoas certas?...
5 comentários:
Oi Linda:
Estive a pensar se fosse eu o que fazia. Iria querer voltar sozinha ou acompanhada da minha amiga e mais alguém que quisesse vir comigo. Que tenha feito a viagem a pé comigo. Ter o tempo todo para voltar. Assim proponho em ir contigo na sexta -feira antes deixares lá o teu carro e voltas comigo no meu carro para fazeres a tua perigrinação.
Beijos todos e vê se é uma hipótese viável para ti.
Inês do meu Coração... sabes que te Amo e aceito e que tenho toda a confiança para dares guarida ao meu filho :)
Tudo se resolve como tem de resolver. E tinhas razão :) Bastou ter a coragem de expor o que vou fazer para que a solução surgisse.
Eternamente agradecida...
Beijo no coração :)*
Amada Cris,
Estive contigo em cada uma das tuas palavras, lado-a-lado em cada pedacinho de energia da motivação que te impele a uma peregrinação a Ti mesma.
Estou relativamente perto, em Coimbra. Tudo o que precisares, nem que seja um abraço.. Correrei para onde estiveres.
Amor,
Mariana Campos
Eternamente agradecida, Mariana do meu Coração.
Não te pedi logo (e acredita que eras das pessoas a que mais me apetecia) pelas deslocações que irias fazer. E serias uma das pessoas que compreenderia se não podesse.
Gosto de TI mulher bonita de alma enorme.
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E tudo é como tem de ser :)
A situação está resolvida e a pessoa que se disponibilizou tem o silencio interior para compreender, apoiar e incentivar naquele momento.
E sabes o mais engraçado? Hoje quando acordei e li o mail que me tinha enviado com sugestões (é engraçado como sugestões e conselhos têm uma energia tão diferente e como reago de forma tão diferente, mesmo que as palavras sejam iguais)percebi que nenhuma das outras pessoas a quem tinha pedido tinha essa especie de silencio. Têm tudo o resto, mas não esse silencio...
Sabes? Daquele que eu propria vou à procura...
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Claro que compreendo.
As deslocações são irrelevantes quando o assunto aqui és Tu. Não estou tão longe quanto isso, se precisares de mim, basta um toquezinho.
Tens o meu Amor e compreensão.
Abraço * Mariana
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