sábado, 25 de abril de 2009

Uma questão de Fé

Faço, desde há 4 anos, apoio a peregrinos de fátima, 2 vezes por ano, em Outubro e em Maio.
O primeiro ano fui meia desconfiada... fátima sempre foi aquele local ambiguo, onde a energia primária é muito boa, mas tudo o que acontece à sua volta me deixa mal disposta e enjoada.
A questão sacrificio, o auto-flagelamento das voltas de joelhos e o cumprimento de promessas foi sempre uma coisa estranha para mim.
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Quando fui a primeira vez foi, exactamente, para perceber o que motivava aquelas pessoas. O apoio é feito na ultima noite, em Alcanena, antes das pessoas fazerem o ultimo troço da caminhada. São mais de oito horas a tratar de bolhas nos pés e a fazer massagens. Fui e tenho ido acompanhada de outras pessoas e alunos e saimos de lá completamente exaustos mas interiormente muito mais ricos. No meio das mais de oito horas ouvimos, perguntamos, mimamos e somos mimados de uma forma extraordinária. Apesar da exaustão pergunto-me sempre "Quem dá o que a quem?"
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Encontra-se de todo o genero de pessoas... desde a senhora de 80 anos que vai cumprir uma promessa pela neta que está doente, o ex-toxicodependente que vai todos os anos com um cajado e todos os anos o marca por mais um ano limpo, as inumeras pessoas que vão sem fé em fátima, mas com toda a fé em si proprios e em algo mais que nem sabem definir, às pessoas que vão em busca de si mesmas e dos seus limites...
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Ao longo deste tempo tenho percebido e espantado com as motivações, tenho aceite os sacrificios e tenho percebido que entre as pessoas que caminham poucas são a que chegam a fátima e se mantém mais que uma ou duas horas no interior do santuário. Essas chegam com a sensação clara que já está.... já cumpriram o que tinham a cumprir, já purgaram o que tinham a purgar... e no ano seguinte repetem. Não por uma questão de fé em fátima... mas porque sim. É a viagem anual ao seu interior.
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120 km em que um pé à frente do outro se chega mais proximo de uma qualquer fronteira. Cada uma daquelas pessoas tem essa fronteira definida, seja ela uma cura, uma comemoração ou a sua propria fronteira, o derrubar dos seus muros e barragens, o deixar sair toda a agua estagnada e permitir que o rio volte a correr...
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E eu dizia para mim propria... hei-de fazer, sim. Mas será a de Santiago de Compostela! E relembrava a maravilhosa cidade, com toda a sua vibração, as paisagens do minho e os caminhos que esconde.... lembrava o verde, o fértil...
Até perceber que apesar de mais longa torna-se mais fácil... não existe aridez, os olhos olham para fora, pois tuda a região é bela... Não existem razões para sermos confrontados com as regiões mais escondidas de nós mesmo, com os recantos mais escuros... o que está no exterior é mais apelativo.
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E no meio destes pensamentos, faz em Maio 1 ano, a meio de uma pausa ao olhar para as pessoas que descansavam enquanto esperavam pelo jantar deu-me uma das maiores travadinhas que me têm dado nos ultimos tempos... percebi claramente que a fazer algum caminho teria sempre de fazer primeiro aquele. Nem houve tempo para decidir. Nem sei se decidi. Só sei que percebi que tinha que o fazer... e que teria de ser em silencio. Sem uma palavra, sem um queixume, sem um desabafo, sem nada que me distraisse para o exterior.
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Sei, pela experiencia do que tenho observado, que o que vou fazer é uma violencia. Sei que 120km a pé e em silêncio durante 3 dias me vai levar a uma qualquer fronteira... e que não sei o que vai estar do outro lado.... nem sei o que vou encontrar pelo caminho.
Não sabia com quem iria, com que grupo iria, quem me iria buscar.
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Vou este ano... vou daqui a 2 semanas.... contagem decrescente..... vou lado a lado com uma amiga que resoveu acompanhar-me, que aceita e respeita o facto de ir em silencio. Não podia ter pedido melhor apoio. Vamos inseridas num grupo engraçado, em que as pessoas se apoiam e conhecem. Só me faltava pedir a alguém que nos fosse esperar às portas de fátima. Não vamos entrar na cidade, muito menos no santuário.
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E aqui começaram a surgir as minhas primeiras fronteiras. Não sei como vou estar, não sei o que vou sentir, não sei o que vou encontrar. Não sei como vou estar no fim do caminho. Não sei em que condições fisicas e emocionais. Não sei se vou querer estar em silencio ou falar o tempo inteiro na viagem de regresso, não sei se vou chorar ou rir ao regressar a Lisboa. A pessoa que nos viesse buscar iria ter de saber respeitar isso, iria ter de saber que estava tudo bem e que era natural. Comecei a pensar nas minhas pessoas e ocorreram-me de imediato 3 delas.
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O que vou fazer é uma coisa tão pessoal que tenho hesitado falar sobre isso com a maioria das pessoas. Até ao momento em que publicar isto apenas 7 pessoas sabem da minha boca o que vou fazer. Nem os meus pais sabem... não disse a nenhum deles. Não me tem apetecido ter de justificar algo que não posso justificar em português, em palavras. Não me tem apetecido receber a mesma reação de desconfiança que eu propria teria há alguns anos. Não me apetece sequer dizer a frase mais simples:
"Não é uma questão de fé em fátima... é uma questão de fé em mim propria"
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Falei com cada uma dessas 3 pessoas, pensando que saberiam, perceberiam a importancia que tinham nesta descoberta...
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Uma disse de imediato que não podia e falou sobre o tempo...
Uma disse que não podia e compreendi o porque...
Uma disse que não sabia e nunca mais se falou sobre isso...
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Foram 3 pessoas e 3 chapadas...
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Percebi perfeitamente o porque das 3 pessoas que pensei que podia confiar para a viagem de regresso não se terem mostrado disponiveis.... percebi perfeitamente o corte na confiança e a questão disponibilidade.... percebi de tal forma que ficou um vazio... qualquer vazio é doloroso no inicio... e esta dor ainda está a passar com todo o esforço inerente para não me deixar insensivel e embrutecida por ela...
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Ainda não percebi porque é que estou a ter dificuldade em encontrar viagem de regresso... é uma viagem sem retorno? Ou simplesmente não estou a pedir às pessoas certas?...

5 comentários:

Inês disse...

Oi Linda:

Estive a pensar se fosse eu o que fazia. Iria querer voltar sozinha ou acompanhada da minha amiga e mais alguém que quisesse vir comigo. Que tenha feito a viagem a pé comigo. Ter o tempo todo para voltar. Assim proponho em ir contigo na sexta -feira antes deixares lá o teu carro e voltas comigo no meu carro para fazeres a tua perigrinação.

Beijos todos e vê se é uma hipótese viável para ti.

Cris disse...

Inês do meu Coração... sabes que te Amo e aceito e que tenho toda a confiança para dares guarida ao meu filho :)

Tudo se resolve como tem de resolver. E tinhas razão :) Bastou ter a coragem de expor o que vou fazer para que a solução surgisse.

Eternamente agradecida...

Beijo no coração :)*

Anónimo disse...

Amada Cris,

Estive contigo em cada uma das tuas palavras, lado-a-lado em cada pedacinho de energia da motivação que te impele a uma peregrinação a Ti mesma.

Estou relativamente perto, em Coimbra. Tudo o que precisares, nem que seja um abraço.. Correrei para onde estiveres.

Amor,

Mariana Campos

Cris disse...

Eternamente agradecida, Mariana do meu Coração.
Não te pedi logo (e acredita que eras das pessoas a que mais me apetecia) pelas deslocações que irias fazer. E serias uma das pessoas que compreenderia se não podesse.
Gosto de TI mulher bonita de alma enorme.

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E tudo é como tem de ser :)

A situação está resolvida e a pessoa que se disponibilizou tem o silencio interior para compreender, apoiar e incentivar naquele momento.

E sabes o mais engraçado? Hoje quando acordei e li o mail que me tinha enviado com sugestões (é engraçado como sugestões e conselhos têm uma energia tão diferente e como reago de forma tão diferente, mesmo que as palavras sejam iguais)percebi que nenhuma das outras pessoas a quem tinha pedido tinha essa especie de silencio. Têm tudo o resto, mas não esse silencio...
Sabes? Daquele que eu propria vou à procura...

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Anónimo disse...

Claro que compreendo.
As deslocações são irrelevantes quando o assunto aqui és Tu. Não estou tão longe quanto isso, se precisares de mim, basta um toquezinho.
Tens o meu Amor e compreensão.

Abraço * Mariana